Prescrição - Reparação Civil-Contratual/Aquiliana

No ordenamento jurídico, as diferenças de disciplina entre a reparação civil por dano contratual ou extracontratual são pontuais e sempre expressas, tal como feito nos arts. 397 e 398 do CC/2002, nos arts. 402 e ss. e 406 e ss., bem ainda nos arts. 944 a 947 do mesmo Código e mesmo no art. 100, V, "a" do CPC/73, "a reparação de perdas e danos é tronco científico comum do qual responsabilidade contratual e aquiliana se ramificam, com algumas particularidades, mas sempre a mesma base".

Com efeito, um primeiro aspecto que deve ser levado em conta é que o diploma civil detém unidade lógica, e deve ser interpretado em sua totalidade, de forma sistemática. Destarte, a partir do exame do Código Civil, é possível se inferir que o termo "reparação civil" empregada no art. 206, § 3º, V, somente se repete no Título IX, do Livro I, da Parte Especial do diploma, o qual se debruça sobre a responsabilidade civil extracontratual. De modo oposto, no Título IV do mesmo Livro, da Parte Especial do código, voltado ao inadimplemento das obrigações, inexiste qualquer menção à "reparação civil". Tal sistematização permite extrair que o código, quando emprega o termo "reparação civil", está se referindo unicamente à responsabilidade civil aquiliana, restringindo a abrangência do seu art. 206, § 3º, V.

E tal sistemática não advém do acaso, e sim da majoritária doutrina nacional que, inspirada nos ensinamentos internacionais provenientes desde o direito romano, há tempos reserva o termo "reparação civil" para apontar a responsabilidade por ato ilícito stricto sensu, bipartindo a responsabilidade civil entre extracontratual e contratual (teoria dualista), ante a distinção ontológica, estrutural e funcional entre ambas, o que vedaria inclusive seu tratamento isonômico. Não se pode perder de vista, igualmente, que a prescrição constitui, de certo modo, regra restritiva de direitos, não podendo assim comportar interpretação ampliativa das balizas fixadas pelo legislador.

No ponto, lapidar o ensinamento da professora Karina Nunes Fritz: "Dessa forma, forçoso é concluir que uma interpretação histórica e sistemática da norma aponta inequivocamente para a conclusão de que a expressão "reparação civil", empregada no art. 206 §3º V, do CC/2002, refere-se aos casos de indenização por ato ilícito, decorrente da violação do dever geral de não lesar, distintos, portanto, dos casos de violação de deveres obrigacionais, subsumidos na regra geral do art. 205 do CC2002, salvo previsão expressa de prazo diferenciado.

Sobre o tema, disserta o professor Humberto Theodoro Júnior: "Quando a norma do art. 206, § 3º, inciso V, fala em prescrição da "pretensão de reparação civil", esta realmente cogitando da obrigação que nasce do ato ilícito stricto sensu. Não se aplica, portanto, às hipóteses de violação do contrato, já que as perdas e danos, em tal conjuntura, se apresentam como função secundária. O regime principal é o do contrato, ao qual deve aderir o dever de indenizar como acessório, cabendo-lhe função própria do plano sancionatório. Enquanto não prescrita a pretensão principal (a referente à obrigação contratual) não pode prescrever a respectiva sanção (a obrigação pelas perdas e danos).

Daí que enquanto se puder exigir a prestação contratual (porque não prescrita a respectiva pretensão), subsistirá a exigibilidade do acessório (pretensão ao equivalente econômico e seus acréscimos legais que incluem as perdas e danos).

O Código Civil, em seu art. 206, estabeleceu vários prazos específicos, todos inferiores a dez anos, para relações contratuais, que devem ser observados também no caso de danos derivados do descumprimento do contrato, tais como: o contrato de hospedagem ou de fornecimento de víveres para consumo no próprio estabelecimento (§ 1º, I); o seguro (§ 5º, II).

Destarte, o prazo geral de dez anos, previsto no art. 205, somente será utilizado para contratos que não se submetem à regulamentação específica no art. 206, e nunca naqueles para os quais o Código prevê prescrição em prazo menor. É, então, a prescrição geral do art. 205, ou outra especial aplicável in concreto, que, em regra, se aplica à pretensão derivada do contrato, seja originária ou subsidiária a pretensão. Esta é a interpretação que prevalece no Direito italiano (Código Civil, art. 2.947), em que se inspirou o Código brasileiro para criar uma prescrição reduzida para a pretensão de reparação do dano" (in Prescrição e Decadência, 1ª ed., Rio de Janeiro, Editora Forense, 2.018, p. 222)

No mesmo diapasão é a lição de Athos Gusmão Carneiro: "Neste passo, todavia, vale objetar que não será lógico preservar para a execução específica de uma obrigação contratual o prazo geral de dez anos, mas limitar a apenas três anos o prazo de exercício da pretensão "secundária", ou seja, da pretensão ao ressarcimento dos danos causados pela conduta do contratante que não quis ou não pode adimplir. Escoados os três anos, a parte lesada pelo inadimplemento poderia promover ação visando obter a prestação avençada (=exato cumprimento do contrato), mas não mais poderia optar pelo ressarcimento em perdas e danos. Entendemos jurídico, portanto, o magistério de Humberto Theodoro Júnior, antes mencionado, de que enquanto não prescrita a pretensão "principal", não estará prescrita a pretensão "substitutiva".

Assim sendo, o conceito de "reparação civil", para o efeito da incidência do prazo prescricional reduzido, não abrange a composição da toda e qualquer consequência, no plano patrimonial, do descumprimento de um dever jurídico: abrange, apenas, as consequências danosas do ato ou conduta ilícitos "stricto sensu", casos de responsabilidade civil, a serem compensadas mediante pagamento da correspondente indenização pecuniária. Concluindo: para efeito do prazo prescricional trienal, "reparação civil" é a indenização, a ser paga normalmente em dinheiro, dos danos decorrentes do ato ilícito não contratual" (in Prescrição trienal e "reparação civil", Revista de Direito Bancário e do Mercado de Capitais: RDB, v. 13, n. 49, jul./set. 2010, p. 20/21)

Como se extrai dos excertos, a natureza secundária das perdas e danos decorrentes do inadimplemento contratual tem notória importância, devendo necessariamente seguir a sorte da relação obrigacional preexistente. Nesse diapasão, não se mostra coerente ou lógico admitir que a prestação acessória prescreva em prazo próprio diverso da obrigação principal, sob pena de se permitir que a parte lesada pelo inadimplemento promova demanda visando garantir a prestação pactuada, mas não mais possa optar pelo ressarcimento dos danos decorrentes. Pelo exposto, com a devida vênia, divirjo do voto do e. Relator, para dar provimento ao recurso, afastando a incidência da prescrição trienal (art. 206, § 3º, V, do Código Civil), por versar o caso sobre responsabilidade civil decorrente de contrato de compra e venda e prestação de serviço entre particulares, que se sujeita à prescrição decenal (art. 205, do Código Civil), devendo os autos retornarem à instância de origem para prosseguir no julgamento do feito.

EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RESP Nº 1.281.594 - SP (2011/0211890-7) 24/06/201913:31 Transitado em Julgado em 14/06/2019 (848)

  

 

 

 

 


 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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