Caso da Semente de Feijão vira processo de 50 mil

Fonte - ( DJE- 01/06/2020 - caderno 3 - Judicial - 1ª Instância - Capital - Página 802/803)

Vistos. 1. Fls. 120/121: Recebo a emenda à inicial.

2. Não há nada a ser reconsiderado em relação ao indeferimento do segredo de justiça. Saliento que, no caso presente, as notícias objetos da lide decorrem de postagens de vídeos na rede mundial de computadores pelos próprios autores, públicas, portanto. Ademais, em nada dizem respeito à intimidade do coautor e sim à manifestações públicas por ele realizadas livre e espontaneamente.

3. Trata-se de ação de obrigação de fazer com pedido de tutela provisória de urgência com pedido de indenização ajuizada por Igreja Mundial do Poder de Deus e Valdomiro Santiago de Oliveira em face de Universo Online S.A, Jornal Contraponto, Editora Gazeta do Cerrado Ltda., Pragmatismo Comunicações e Serviços de Internet Ltda, Jornal Estado de Minas, Microsoft do Brasil Importação e Comercio de Software e Video Games Ltda, Veja Editora Brasil e Isto é On Line Ltda.

Narram que a primeira coautora é igreja evangélica criada há mais de 21 anos pelo segundo coautor. Afirmam que proliferam notícias falsas em relação aos coautores pelos corréus por meio da internet. Indicam os endereços eletrônicos em fls. 03/07 em que as informações foram veiculadas. Alegam que as matérias teriam teor falso e sensacionalista, com finalidade de atacar a reputação dos coautores, além de manifestarem, segundo os coautores, juízos de valor unilateral, sem que fosse concedida a possibilidade de resposta. Alegam que os réus partem de conteúdos verdadeiros, mas manipulam o conteúdo para enganar o público. Afirmam que momento algum realizaram a venda de semente de feijão ou vincularam o seu uso a cura do COVID-19, como poderia ser visto nos endereços eletrônicos indicados em fls. 8/9. Dizem os autores que o segundo autor imputa a responsabilidade da cura a Deus e que ele daria as sementes aos fiéis e, quem quisesse, doaria o valor que pudesse. Aduzem que houve notificação dos réus, requerendo direito de resposta, mas que estes permaneceram inertes. Em tutela de urgência, requer sejam obrigados os corréus a remover e tornar indisponíveis todas as publicações indicadas em fl. 21 no prazo de 48 horas. Por fim, requer que o feito tramite em segredo de justiça, bem como os réus sejam solidariamente condenados a reparar os danos extrapatrimoniais no valor de R$50.000,00. A petição inicial veio acompanhada de documentos (fls. 22/107).

4. Apesar de os autores de referirem, em algumas passagens da exordial, ao fato de terem requerido diretamente aos correus direito de resposta não há nestes autos qualquer pedido neste sentido.

5. Analiso o pleito liminar e o indefiro.  Nos termos do artigo 300 do Código de Processo Civil, "a tutela de urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo", desde que, nos termos do § 3º, não haja perigo de irreversibilidade dos efeitos da decisão.  Para a solução da presente questão, ainda que em cognição superficial, é importante balizar os princípios constitucionais consagrados que dispõem acerca da inviolabilidade da honra e imagem das pessoas (artigo 5º, inciso X), da garantia da livre expressão de comunicação e liberdade de pensamento (artigo 5º, incisos IV, IX), bem como o direito à informação (artigo 5º, inciso XIV). De fato, a livre manifestação do pensamento é prevista no inciso IV, do artigo 5º, da Constituição da República: "IV - é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;". Ainda, especificamente no que se refere à vedação à censura e liberdade de imprensa, a Constituição Federal de 1988, previu, e seu artigo 220: "Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição. §1º - Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto no art. 5º, IV, V, X, XIII e XIV. §2º - É vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística. (...)" A Lei Maior também consagrou, no mesmo patamar, a inviolabilidade da honra e da imagem, consoante o artigo 5º, inciso X. Frequentemente, como no presente caso concreto, referidos direitos entram em conflito, tal como esclarecido por José Afonso da Silva: "A liberdade de manifestação do pensamento tem seu ônus, tal como o de o manifestante identificar-se, assumir claramente a autoria do produto do pensamento manifestado, para, em sendo o caso, responder por eventuais danos a terceiros. Daí por que a Constituição veda o anonimato. A manifestação do pensamento não raro atinge situações jurídicas de outras pessoas a que corre o direito, também fundamental individual, de resposta". ("Curso de Direito Constitucional Positivo", 29ª ed., São Paulo: Malheiros, 2007. p. 245). Assim, de modo a encontrar solução ao impasse, cabe ao magistrado estabelecer o limite daquilo que seja aceitável em termos de prestação de informação ao público em geral e expressão do pensamento, ainda que o exercício desta cause eventual constrangimento a alguém, prestigiando, conforme a conclusão alcançada, a liberdade de opinião ou a inviolabilidade da honra. Em cognição preliminar, verifica-se a total ausência de probabilidade do direito alegado pelos coautores. Primeiramente, deve ser considerado que as notícias veiculadas (fls. 22/75) pelos corréus não parecem, prima facie, conter informações falsas. Pelo contrário, parecem conformes com que os próprios coautores afirmam nos vídeos que postaram e transcrevem na petição inicial (fls. 9/10). Os próprios coautores confessam que, de fato, estão vendendo as sementes, como pode ser visto no seguinte trecho, "Você vai ligar na central vai semear, que eu vou enviar essa semente para você, daqui a pouco vai ter colheita de feijão, porque ta só crescendo, o que nos plantamos aqui, está só crescendo, e ai nasce se tu uma benção, você vai investir 1000, 500, 200, 100 é assim, todo mundo investindo na obra, as contas da Igreja estarão ai" (fls. 10). Ora, parece, em cognição preliminar, que ao vincular a disponibilização das sementes a investimentos em valores variáveis por partes dos fiéis, os coautores estão realizando a sua venda e não a sua doação, como pretendem fazer crer na exordial. Os réus até mesmo indicam o endereço eletrônico dos vídeos dos autores, no YouTube, para que possa ser acessado pelo público, como pode ser visto em fls. 24, 37, 40, 44, 61 e 69. Além disso, as notícias não indicam que o coautor estaria vendendo a semente pelo único preço de R$1.000,00, pelo contrário. Assim como nos vídeos dos próprios autores, as reportagens apontam os valores variados com que as sementes eram oferecidas aos fiéis, sendo inclusive, citadas literalmente as falas do próprio coautor, como fica evidenciado em fls. 23, que reproduz a seguinte passagem extraída do vídeo do coautor: "Vou fazer o propósito de R$1 mil para cada um. E muito que estão me assistindo também vão fazer R$1mil. Outros vão fazer de R$500. De acordo com a sua semeadeira". Idêntico teor que também pode ser visto em fls. 32, 35/36, 39, 45, 57 e 60/61. Finalmente, não se depreende, nesta fase processual, das notícias que seria o coautor Valdomiro diretamente responsável pela cura da doença Covid-19. Na verdade, o que se afirma nas reportagens é que o coautor promete a cura da doença por meio das sementes. Deve ser observado que os coautores não negam o fato de que estão vendendo as sementes para a cura das pessoas, mas tão somente alegam que tal cura não viria do coautor, "mas de Deus". Pelo exposto, não há mínima probabilidade do direito a justificar a restrição ao direito de informação e mídia e ao livre exercício do jornalismo.

5. Por não vislumbrar na espécie, diante da natureza da controvérsia posta em debate e das especificidades da causa, a possibilidade de composição consensual, e de modo a adequar o rito processual às necessidades do conflito, deixo para momento oportuno a análise da conveniência da audiência de conciliação (CPC, art. 319, VII, e Enunciado n. 35 da ENFAM). "Enunciado n. 35: Além das situações em que a flexibilização do procedimento é autorizada pelo art. 139, VI, do CPC/2015, pode o juiz, de ofício, preservada a previsibilidade do rito, adaptá-lo às especificidades da causa, observadas as garantias fundamentais do processo". Outrossim, cumpre destacar entendimento de José Miguel Garcia Medina ao concluir que "o CPC/2015 é parte de um esforço, no sentido de substituir, ainda que gradativamente, a cultura da sentença pela cultura da pacificação, mas a nova lei processual não adotou essa postura de modo absoluto" in Direito Processual Civil Moderno , RT Páginas 534 (grifos nossos). 6. Cite-se a parte ré para integrar a relação jurídico-processual (CPC, artigo 238) e oferecer contestação, por petição, no prazo de 15 (quinze) dias úteis (CPC, artigos 219 e 335), sob pena de revelia e presunção de veracidade das alegações de fato aduzidas pelo autor (CPC, artigo 344), cujo termo inicial será a data prevista no artigo 231 do CPC, de acordo com o modo como foi feita a citação (CPC, artigo 335, III). 7. Na hipótese de citação infrutífera da parte ré, desde já, defiro a realização de pesquisas aos sistemas informatizados BACENJUD, INFOJUD, RENAJUD, SERASAJUD e COMGASJUD. 

Para tanto, recolha a parte autora as despesas necessárias, nos termos do Provimento CSM Nº 2.516/2019. Devidamente recolhidas, proceda-se via on-line.  Caso a parte autora seja beneficiária da justiça gratuita, proceda-se via on-line independentemente de recolhimento das despesas. No silêncio, intime-se, pessoalmente, a parte autora para dar andamento ao feito em 05 (cinco) dias, sob pena de extinção do processo sem resolução do mérito (artigo 485, inciso III, e §1º, do Código de Processo Civil).  Intimem-se.

 

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