Exame de DNA negativo Não exclui Paternidade TJSP

Trata-se de ação negatória de paternidade c.c. exoneração de alimentos, alegando o autor que durante duas semanas manteve relacionamento amoroso com a genitora do réu, e um mês após o fim do relacionamento, esta informou-lhe que estava grávida e que seria o pai da criança, tendo assim acompanhado a gestação até o sexto mês, e posteriormente recebeu a informação do nascimento e, por pressão e ameaça da mãe do requerido, acabou registrando-o como seu filho, passando a arcar com despesas de fraldas e leite, porém tem dúvidas sobre a paternidade, negando-se a genitora do réu a realizar exame de DNA, pretendendo o requerente seja excluída sua paternidade, com retificação do registro de nascimento do réu e exoneração da pensão alimentícia.

Na antiga lição de Luiz da Cunha Gonçalves1 : "diz-se filiação a relação de parentesco que une qualquer pessoa a outra de quem descende imediatamente ou se presume descender, por efeito de uma ficção legal, isto é, do seu pai e da sua mãe".

A Constituição Federal, em seu art. 227, § 6º, como advertem Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald2 : "foi de clareza solar ao determinar a igualdade substancial entre os filhos, evitando qualquer conduta discriminatória, materializando, de certo modo, a dignidade da pessoa humana almejada como finalidade precípua da República Federativa do Brasil".

A natureza jurídica do direito de filiação é de direito da personalidade e, portanto, indisponível, dispondo o art. 27 do ECA que: "o reconhecimento do estado de filiação é direito personalíssimo, indisponível e imprescritível, podendo ser exercitado contra os pais ou seus herdeiros, sem qualquer restrição, observado o segredo de Justiça".

Por sua vez, a nova ordem constitucional trouxe relevantes avanços ao conceito de família, não mais decorrente necessariamente do casamento, e o vigente Código Civil dispôs expressamente no art. 1.593 que: “o parentesco é natural ou civil, conforme resulte de consanguinidade ou outra origem”.

Conforme o Enunciado n. 256 do Centro de Estudos Judiciários do Conselho de Justiça Federal: “a posse do estado de filho (parentalidade socioafetiva) constitui modalidade de parentesco civil”.

Assim, diante da irrevogabilidade do reconhecimento dos filhos havidos fora do casamento (art. 1.609 do Código Civil), a anulação da paternidade somente é possível mediante prova do vício de consentimento, conforme o art. 1.604 do Código Civil, de forma a elidir a presunção da filiação estabelecida no registro, e, concomitantemente, de que é inexistente a paternidade decorrente da posse do estado de filho (parentalidade socioafetiva) e da relação socioafetiva.

No caso, apesar da exclusão da paternidade pelo exame de DNA (fls. 59/67), restaram comprovadas a existência da posse do estado de filho (parentalidade socioafetiva) e da relação socioafetiva, pela convivência que o autor reconhece que vem mantendo com o menor.

Assim, visando ampliar a análise do contexto, optou-se por entrevistar os pais do requerente (avós paternos) e foi verificado que os mesmos demonstram carinho, afeto, zelo e vínculo afetivo em relação à criança, sendo esta realidade constatada no discurso da criança que os tem como avós, tios e pai. Na avaliação do requerente, verificou-se que o mesmo, após o nascimento da criança, optou em registrá-lo e desde então passou a conviver com o filho e exercer tal paternidade, tendo apoio dos seus pais. Assim, estabeleceu-se um vínculo de afeto, sendo identificada essa afetividade no discurso do requerente principalmente quando afirmava que 'não deixaria de amar a criança' , 'nada vai mudar', bem como na interação estabelecida com a criança durante a avaliação no setor técnico” (fls. 83/84).

Não basta para o fim colimado a prova da ausência de parentesco consanguíneo, sem a demonstração da inexistência do parentesco socioafetivo, não autorizando o acolhimento da pretensão a alegação de que "registrou a criança por pressão psicológica das pessoas à sua volta", que mesmo que fosse provada não caracterizaria a coação, e nem o temor de vir a ser obrigado a pagar pensão alimentícia superior à sua possibilidade financeira.

Assim, deve ser mantida a r. sentença por seus judiciosos fundamentos.

 

“APELAÇÃO CÍVEL Negatória de paternidade c/c retificação de registro civil Exame de DNA que confirma a inexistência de vínculo genético entre as partes - Sentença de improcedência, reconhecendo a paternidade socioafetiva Insurgência do requerente Não acolhimento. Existência de vínculo socioafetivo reconhecida de forma expressa pelo autor em entrevista para estudo psicossocial, do qual se depreende que a convivência entre as partes não se alterou mesmo após o resultado da perícia hematológica Autor que externou em entrevista que sua preocupação consistia na possibilidade de ser preso em caso de descumprimento da obrigação alimentar - Relação de parentalidade que se configura não só pelo liame biológico - Evidenciada a paternidade socioafetiva, inviável o acolhimento da pretensão autoral - RECURSO DESPROVIDO” (Apelação Cível 1002009-62.2016.8.26.0484; Relator (a): Rodolfo Pellizari; Órgão Julgador: 6ª Câmara de Direito Privado; Foro de Promissão - 1ª Vara Judicial; Data do Julgamento: 30/07/2020; Data de Registro: 30/07/2020).

"Voto n.º 47.139 Negatória de paternidade. Autor faz referência sobre dúvidas envolvendo aspecto biológico. Na própria inicial o apelante dá ênfase de que tem grande vínculo afetivo com a criança, ligando diariamente para saber como o infante se encontra, além de postar vídeo. Paternidade socioafetiva caracterizada. Falta de interesse de agir se faz presente. Ausência de pressuposto processual impossibilita a entrega da prestação jurisdicional no mérito. Indeferimento da inicial em condições de prevalecer. Apelo desprovido." Apelação Cível n.º 1.010.158-78.2020.8.26.0008

"VOTO Nº 81487. Ocorreu julgamento com a turma ampliada, na forma do art. 942 do CPC e o resultado foi de PROVIMENTO, por maioria (3x2). Negatória de paternidade que foi rejeitada, apesar de ser incontroverso o fato de o recorrente não ser o pai biológico do menino que nasceu de relação extraconjugal da mulher com quem foi casado. Não existe prova de ter reconhecimento voluntário com ciência do fato (adultério), porque o divórcio do casal ocorreu quando revelado o fato, segundo prova dos autos. A recusa do autor com o fato cria problemas próximos da total rejeição com o menino, o que impede que se acolha a tese da paternidade socioafetiva. Inadmissibilidade de ser mantida a filiação contra a verdade apenas para não prejudicar o recorrido que, embora inocente, deverá buscar o reconhecimento da paternidade do pai biológico. Provimento para julgar procedente a negatória e excluir a paternidade do autor sobre o recorrido. (APELAÇÃO Nº 1004566-10.2019.8.26.0066.