Sistemas Registrais Imobiliários

O ordenamento jurídico brasileiro filia-se à tradição romana, no que tange à transferência do domínio, determinando que a manifestação de vontade não é suficiente para que se opere a transmissão da propriedade, havendo a necessidade de atos posteriores, para tanto. Em se tratando de bens móveis, deve-se seguir a tradição, exigindo-se a inscrição do título aquisitivo no Registro de Imóveis, para os bens de raiz, em consonância aos arts. 1.226 e 1.227, do Código Civil pátrio.

Os direitos reais sobre coisas móveis, quando constituídos, ou transmitidos por atos entre vivos, só se adquirem com a tradição.

Os direitos reais sobre imóveis constituídos, ou transmitidos por atos entre vivos, só se adquirem com o registro no Cartório de Registro de Imóveis dos referidos títulos (arts. 1.245 a 1.247), salvo os casos expressos no Código Civil.

Sendo assim, Sistema Registral pode ser definido como o conjunto de regras e princípios acerca da criação, modificação e extinção dos direitos reais. Engloba não só a tutela destes direitos, como também a liberdade de contratar sobre eles e os efeitos decorrentes da sua publicidade inscritiva.

 

Assim, do ponto de vista formal, os Sistemas Registrais se dividem em:

SISTEMAS DE TRANSCRIÇÃO, tipo do Sistema Francês;

SISTEMAS DE INSCRIÇÃO, tipo do Sistema Brasileiro;

SISTEMAS DE CLASSIFICAÇÃO, tipo do Sistema Alemão.

 

Sob o ponto de vista da organização, temos os seguintes Sistemas:

SISTEMAS DE FÓLIO REAL: nestes a organização do registro sé dá com base no objeto, ou seja, todos os lançamentos de direitos reais são estruturados em função do imóvel ao qual estes direitos se refiram. É o que ocorre no nosso sistema atual, onde os direitos reais são estruturados em matrículas, as quais por sua vez são divididas por imóveis, sendo que a cada matrícula corresponde um imóvel;

SISTEMAS DE FÓLIO PESSOAL: nestes a organização se dá em virtude das pessoas envolvidas na relação obrigacional, independentemente do imóvel que esteja envolvido na transação. Muitos doutrinadores defendem que o sistema anterior ao atual no Brasil, ou seja, o sistema das transcrições, assemelhava­-se mais ao Sistema de Fólio Pessoal do que ao Sistema de Fólio Real. O sistema anterior não era organizado por imóveis, os lançamentos eram feitos por tipo de ato e na sequência cronológica em que foram apresentados, e a única forma de seguir o histórico dos atos praticados sobre o imóvel seria por meio do indicador pessoal da serventia; isto porque este sistema, como não tinha foco no imóvel, permitia que a descrição dele fosse diferente a cada negócio.

 

Sob o ponto de vista dos efeitos que o registro produz, temos: 

SISTEMAS DE INOPONIBILIDADE ou, ainda, SISTEMAS DE REGISTROS DE DOCU­MENTOS ou SISTEMA DECLARATIVO (Ex.: Sistema Francês);

SISTEMAS DE REGISTRO DE DIREITOS ou, ainda, SISTEMA CONSTITUTIVO:

 

  1. a) SISTEMAS DE PRESUNÇÃO DE EXATIDÃO OU DE FÉ PÚBLICA OU SISTEMAS DA INSCRIÇÃO CONSTITUTIVA RELATIVA (Ex.: Sistema Alemão); 
  1. b) SISTEMAS DE INATACABILIDADE (Ex.: Sistema Australiano).

 

São três os sistemas mais importantes: a) o francês, b) o alemão, e c) o australiano ou Registro Torrens. Também merecem destaques o sistema americano, baseado em um sistema de seguro de títulos em contraposição aos sistemas de garantia dos direitos típicos dos países de civil law, e o novo sistema inglês de registro imobiliário.

Sistema francês:  No caso de dupla venda do imóvel, o conflito entre os compradores é resolvido pela prioridade do registro: aquele que primeiro inscreve o título respectivo adquire plenamente a propriedade.

O modelo francês prevê, destarte, dois sistemas distintos de publicidade: um registro de inscrições para as hipotecas e privilégios e um registro de transcrições para os contratos em que se formalizam as transmissões da propriedade. Tal sistema não garantia, porém, que o vendedor ou hipotecante era o verdadeiro proprietário nem a individuação e consistência material do imóvel. Além do mais, muitos atos jurídicos transmissivos ficavam excluídos do registro, tais como os atos mortis causa e os considerados declarativos (partições, divisões da coisa comum ou transações). Isso dificultava a necessária investigação do trato sucessivo dos titulares e limitava a publicidade registral, pois somente existiam índices de pessoas, e não de imóveis (fólio real).

Na vertente oposta, encontra-se o sistema francês, no qual o efeito translativo decorre do consentimento das partes, ou seja, próprio contrato, sendo este considerado, ao mesmo tempo, obrigação e fato gerador do direito real. O registro apenas torna o negócio público e oponível a terceiros. Foi ele a fonte inspiradora da normatização brasileira, nos tempos que antecederam o Código Civil de 1916.

Pode-se dizer que o sistema brasileiro atual é constitutivo e causal, adotando características franco-germânicas, exigindo o título e seu registro, que se mantém vinculado à causa e geração presunção juris tantum de domínio. O direito real só se constitui com o registro e uma vez anulado o título, anula-se o registro. O sistema brasileiro não admite a eficácia saneadora do registro.

 

Sistema Alemão: O sistema de publicidade alemão é considerado um dos mais perfeitos do mundo e reflete os antigos institutos jurídicos romanos/germânicos.

Na Alemanha, o Registro de imóveis integra a organização judicial e o procedimento registral é considerado de jurisdição voluntária. É um registro de bens, e não de pessoas como o adotado pelo sistema francês da transcrição de títulos. O registro é constitutivo da propriedade e demais direitos reais sobre imóveis (§§ 873, 925, BGB). A base desse sistema é o princípio fundamental da eficácia do registro, que estabelece a presunção iuris et iure de legitimidade, integridade e exatidão da inscrição (§§ 891 a 893, BGB) em face de terceiros de boa-fé. No entanto, esta presunção não abrange os dados de fato que constam da publicidade registral (a realidade do imóvel é independente do registro).

Nesse aspecto, o sistema brasileiro de registro imobiliário, que segue o modelo alemão, diferencia-se de sua matriz: o registro também tem natureza constitutiva do direito real imobiliária (nos atos entre vivos), mas a inscrição do título não purga seus eventuais vícios, de forma que o princípio da fé pública registral não tem entre nós a mesma força ou amplitude verificada no sistema alemão ou outros dele derivados, como o sistema espanhol (cujo registro, porém, em geral não tem natureza constitutiva).

O sistema alemão presume que os direitos inscritos existem (fé pública) e que os não inscritos não existem, mas admite-se a prova em contrário. No que diz respeito a terceiros de boa-fé, são protegidos sempre que tenham confiado no conteúdo do registro quando da celebração do negócio jurídico imobiliário. A proteção não abrange as referências relativas às circunstâncias de fato, nem aos dados concernentes a pessoas, salvo, obviamente, a identidade do titular do direito inscrito. Por outro lado, a proteção do terceiro de boa-fé abrange a compra a non domino, vale dizer, pelo sistema alemão, ao contrário do nosso, o comprador que, confiando nos dados constantes do Registro, vem a adquirir um imóvel não perde a propriedade caso venha a descobrir que o registro em questão era eivado de vício e que o imóvel não pertencia ao titular registral.

 

Sistema australiano ou Torrens: Assim, elemento fundamental do Sistema Torrens é a abertura de uma matrícula para o imóvel, requisito essencial para que o bem em questão seja incorporado ao sistema. Por isso, o ordenamento jurídico pode prever a coexistência desse sistema, aplicável às propriedades que tenham sido matriculadas, como um sistema distinto aplicável aos imóveis que ainda não o foram. O procedimento de matrícula se inicia com o pedido do proprietário para que seu imóvel seja incorporado ao sistema.

O Registro realiza uma análise pormenorizada dos títulos correspondentes a essa propriedade, assim como da configuração física do imóvel.

O sistema Torrens é completado com a indenização do eventual titular material extrarregistral que venha a sofrer prejuízo pela matrícula fraudulenta ou errônea da propriedade, o que configura uma espécie de seguro de títulos. A existência de um único título de propriedade assegura e facilita o tráfico imobiliário. E, quando se deseja, por exemplo, vender ou hipotecar o imóvel, basta enviar o contrato causal (compra e venda, hipoteca etc.) com título (certificado que fica em poder do proprietário) ao Registro, que qualifica os documentos, e, não encontrando vícios, anula o anterior e emite um novo título, no qual é incorporada a nova propriedade ou a garantia real imobiliária.

 

Registro imobiliário inglês: O Registro de imóveis inglês pode ser consultado via internet, o que facilita a finalidade de dar cognoscibilidade à propriedade imobiliária e suas mutações jurídico-reais, comum a todo sistema de publicidade registral. Destarte, nesse aspecto o sistema inglês é eficiente e moderno, mas muito restrito: partindo do princípio de que toda propriedade se origina na Coroa, somente se preocupa em publicar a propriedade e a posse, mas não estabelece uma regulação coerente no que tange à identificação e individuação dos imóveis, e ao principio da prioridade registral. Com efeito, não caracteriza um verdadeiro registro de bens e não traz a necessária segurança para o tráfico de imóveis e o crédito imobiliário.

 

Sistema registral norte-americano: Os Estados Unidos, em face da natureza de sua federação com ampla autonomia dos Estados-membros, não possuem um direito registral uniforme. Em cada Estado a publicidade apresenta suas próprias características e especificidades materiais e formais. De uma maneira geral, podemos afirmar que convivem dois sistemas registrais distintos: o sistema de Recording (Registro de títulos), que existe na maioria dos Estados da União; e o sistema Torrens, que foi introduzido em determinados Estados, de forma superposta ao sistema anterior sem derrogá-lo. O Registro Torrens, já estudado, foi adotado originariamente em dezenove Estados americanos, e, por enfrentar graves problemas constitucionais, somente persiste em nove deles. O sistema de Recording é um registro de contratos que se funda no princípio da inoponibilidade dos títulos não inscritos. Para a jurisprudência americana, ademais, a fim de concretizar os direitos derivados da publicidade, é exigida ainda a boa-fé da aquisição: não há aquisição de boa-fé quando existe uma posse notória exercida por pessoa diversa daquela que transfere a propriedade do imóvel (non recorded notice).

De acordo com Maria Helena DINIZ, Sistemas de registro de imóveis,2006, podem ser identificados no Brasil cinco diferentes regimes ou sistemas registrários da propriedade imóvel.

O primeiro deles é o sistema comum, geral e obrigatório, disciplinado pela Lei n. 6.015/73, em seus arts. 167 a 276, o qual será objeto a ser analisado com maior acuidade do presente curso.

O Registro Torrens, sistema especial, facultativo e excepcional, condizente a bens imóveis rurais, disciplinado pela mesma Lei n. 6.015/73, em seus arts. 277 a 288.

Os imóveis rurais submetem-se também ao registro feito pelo INCRA, em conformidade à Lei n. 4.504/64 (Estatuto da Terra) e pela Lei n. 5.868/72, regulamentada pelo Decreto-Lei n. 72.106/73. Assim, a propriedade rural é objeto de cadastro específico, além do Registro de Imóveis de sua circunscrição, que tem por finalidade o cadastramento ordenado das áreas rurais existentes no Brasil, de seu parcelamento e utilização.

Se adquiridos por estrangeiros, os imóveis rurais obedecem a um quarto sistema registrário, definido pela Lei n. 5.709/71, regulamentada pelo Decreto n. 74.965/74.

A propriedade pública da União, dos Estados e dos Municípios rege-se pelas Leis n. 5.972/73 e 9.821/99, as quais regulam o registro dos bens discriminados administrativamente, ou possuídos pela União, e, também, pela Lei n. 5.868/72, regulamentada pelo Decreto-Lei n. 72.106/73, que trata do levantamento cadastral das terras públicas.

 

Questionário proposto somente àqueles que pretender o Certificado

Aula 6Da transcrição e inscrição 

 

 BIBLIOGRAFIA UTILIZADA