"Prostituição" é Trabalho Lícito

Bem observa André Estefam, em tese de Doutoramento sobre o tema, que: De acordo com o Código Civil (art. 104 e 166, a contrario sensu), é válido o negócio jurídico que envolver agente capaz, objeto lícito, possível, determinado ou determinável e forma prescrita ou não defesa em lei. A prostituição, quando realizada entre maiores e capazes, tem por objeto uma prestação lícita, possível e determinada, inexistindo, conforme é cediço, expressa proibição legal. (...) Nota-se, ademais, que o Texto assegura a liberdade de contratar, devendo ser exercida em razão e nos limites da "função social do contrato" (art. 421). Pode-se tê-la [a prostituição], nesta ordem de ideias, como um contrato de prestação de serviços, regido pelos arts. 593 e 594 do Código Civil, proclamando o último que toda "a espécie de serviço ou trabalho lícito, material ou imaterial, pode ser contratada mediante retribuição". (ESTEFAM, André. Dignidade sexual como fruto da dignidade da pessoa humana: homossexualidade, prostituição e estupro. Tese de Doutorado em Direito. PUC. São Paulo, 2015, p. 170).

 

Sob essa mesma perspectiva, não vejo como se possa negar proteção jurídica àquelas (e àqueles) que oferecem seus serviços de natureza sexual em troca de remuneração, sempre com a ressalva, evidentemente, de que essa troca de interesses não envolva incapazes, menores de 18 anos e pessoas de algum modo vulneráveis, desde que o ato sexual seja decorrente de livre disposição da vontade dos participantes e não implique violência (não consentida) ou grave ameaça.

 

Conforme leciona Nucci, Na órbita do Direito Civil, a prostituição deve ser reconhecida como um negócio como outro qualquer [...] O comércio sexual entre adultos envolve agentes capazes. Como já se deixou claro, reconhecida a atividade no rol das profissões do Ministério do Trabalho, o objeto é perfeitamente lícito, pois é um contato sexual, mediante remuneração, entre agentes capazes. Seria o equivalente a um contrato de massagem, mediante remuneração, embora sem sexo. Não há forma prescrita em lei para tal negócio, que pode ser verbal (NUCCI, Guilherme de Souza. Prostituição, lenocínio e tráfico de pessoas. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015, p. 190).


Se a prostituição é um mal deplorável, não deixa de ser, até certo ponto, em que pese aos moralistas teóricos, necessário. É uma válvula de escapamento à pressão de recusável instinto, que jamais se apazigou na fórmula social da monogamia, e reclama satisfação até mesmo que o homem atinja a idade civil do casamento ou a suficiente aptidão para assumir os encargos da formação de um lar. 

 

Como bem pontuou Luiz Flávio Gomes, "A partir dos catorze anos o fundamental é saber se a pessoa quis ou não quis (livremente) o ato sexual. Se o ato for livre, não há que se falar em delito (o sexo faz parte do âmbito da liberdade de cada um). Onde não há violência ou grave ameaça ou mesmo fraude, não há que se vislumbrar qualquer tipo de delito sexual, quando os envolvidos contam com catorze anos ou mais. O Estado não tem o direito de invadir a vida privada das pessoas, para impor-lhe uma determinada orientação moral."

 

HABEAS CORPUS Nº 211.888 - TO (2011/0152952-2) EMENTA HABEAS CORPUS. ROUBO IMPRÓPRIO. NULIDADE DA SENTENÇA. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. NULIDADE DO ACÓRDÃO. NÃO OCORRÊNCIA. DESCLASSIFICAÇÃO PARA EXERCÍCIO ARBITRÁRIO DAS PRÓPRIAS RAZÕES. PRETENSÃO LEGÍTIMA E PASSÍVEL DE DISCUSSÃO JUDICIAL. REGRA. MORAL E DIREITO. SEPARAÇÃO. MUTAÇÃO DOS COSTUMES. SERVIÇO DE NATUREZA SEXUAL EM TROCA DE REMUNERAÇÃO. ACORDO VERBAL. AUSÊNCIA DE PAGAMENTO. USO DA FORÇA COM O FIM DE SATISFAZER PRETENSÃO LEGÍTIMA. CARACTERIZAÇÃO DO DELITO PREVISTO NO ART. 345 DO CÓDIGO PENAL. PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA. OCORRÊNCIA. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO

1. A matéria atinente à nulidade da sentença não foi submetida à análise pelo colegiado do Tribunal estadual, circunstância que impede seu conhecimento por esta Corte, sob pena de indevida supressão de instância.

2. Não mais se sustenta, à luz de uma visão secular do Direito Penal, o entendimento do Tribunal de origem, de que a natureza do serviço de natureza sexual não permite caracterizar o exercício arbitrário das próprias razões, ao argumento de que o compromisso assumido pela vítima com a ré – de remunerar-lhe por serviço de natureza sexual – não seria passível de cobrança judicial.

3. A figura típica em apreço relaciona-se com uma atividade que padece de inegável componente moral relacionado aos "bons costumes", o que já reclama uma releitura do tema, mercê da mutação desses costumes na sociedade hodierna e da necessária separação entre a Moral e o Direito. 

4. Não se pode negar proteção jurídica àquelas (e àqueles) que oferecem serviços de cunho sexual em troca de remuneração, desde que, evidentemente, essa troca de interesses não envolva incapazes, menores de 18 anos e pessoas de algum modo vulneráveis e desde que o ato sexual seja decorrente de livre disposição da vontade dos participantes e não implique violência (não consentida) ou grave ameaça.

5. Acertada a solução dada pelo Juiz sentenciante, ao afastar o crime de roubo – cujo elemento subjetivo não se compatibiliza com a situação versada nos autos – e entender presente o crime de exercício arbitrário das próprias razões, ante o descumprimento do acordo verbal de pagamento, pelo cliente, dos préstimos sexuais da paciente.

6. O restabelecimento da sentença, mercê do afastamento da reforma promovida pelo acórdão impugnado, importa em reconhecer-se a prescrição da pretensão punitiva, dado o lapso temporal já transcorrido, em face da pena fixada.

7. Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida de ofício, para restabelecer a sentença de primeiro grau, que desclassificou a conduta imputada à paciente para o art. 345 do Código Penal e, por conseguinte, declarar extinta a punibilidade do crime em questão.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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