Ação Civil Pública, nº 1098711-29.2014.8.26.0100 - Juíza, Flavia Poyares Miranda da 18ª Vara Cível - Foro Central Cível.
Relação: 0087/2015 Teor do ato: Vistos.
Todavia, a liberdade de expressão, ainda que configure direito caro à sociedade, não é absoluta, apresentando limites constitucionais quando implica em violações a direitos fundamentais do homem. É o que se constata no caso concreto, em que as declarações do requerido negam a própria dignidade humana à população LGBT.
Vale ressaltar que não se nega o direito do então candidato à presidência da república de manifestar seus posicionamentos políticos sobre a questão homossexual. É salutar, aliás, que o assunto, de extrema relevância social, seja objeto de pautas das discussões eleitorais. Agindo dessa forma, propaga-se discurso de ódio contra uma minoria que vem lutando historicamente, a duras penas, pela garantia de direitos fundamentais mínimos.
Considerando os elementos acima discriminados, estipulo a indenização devida em R$1.000.000,00, na forma postulada na inicial, eis que valor inferior certamente em nada puniria a conduta lesiva, sempre com vistas à denominada "Teoria do Desestímulo". Como a dor não se mede monetariamente, a importância a ser paga terá de submeter-se a "um poder discricionário", mas segundo "um prudente arbítrio dos juízes da fixação do quantum da condenação, arbítrio esse que emana da natureza das coisas".
Feitas todas estas considerações e parâmetros, tenho como justo entre as partes a fixação do dano moral coletivo sofrido em R$1.000.000,00.
Trata-se de ação civil pública ajuizada pela Defensoria Pública do Estado de São Paulo contra José Levy Fidelix da Cruz e Partido Renovador Trabalhista Brasileiro (PRTB) alegando a autora, em apertada síntese, que no último dia 28 de setembro de 2014, a Rede Record transmitiu um debate entre os candidatos à Presidência da República nas eleições que ocorreram no dia 5 de outubro de 2014. A candidata Luciana Genro fez uma pergunta ao candidato José Levy Fidelix, cujo objetivo era questionar o motivo pelo qual muitos daqueles que defendem a família se recusam a reconhecer o direito de casais de pessoas do mesmo sexo ao casamento civil. Em resposta o réu afirmou que "dois iguais não fazem filho" e que "aparelho excretor não reproduz". O candidato teria comparado a homossexualidade à pedofilia, que é ato criminoso, afirmando que o Papa Francisco vem promovendo ações de combate ao abuso sexual infantil, afastando sacerdotes suspeitos da prática. O candidato teria afirmado ainda que o mais importante é que a população LGBT seja atendida no plano psicológico e afetivo, mas "bem longe da gente".
O candidato teria ultrapassado os limites da liberdade de expressão, incidindo em discurso de ódio. Em razão dos fatos alegados termina por requerer a concessão de liminar para que os requeridos arquem com os custos da produção de um programa, com a mesma duração dos discursos de Levi Fidelix, e na mesma faixa de horário da programação, que promova os direitos da população LGBT, a intimação do Ministério Público, a procedência da ação tornando definitiva a tutela antecipada, assim como para determinar que os réus reparem o dano moral coletivo praticado, através do pagamento de R$1.000.000,00 (um milhão de reais), que reverterá para as ações de promoção de igualdade da população LGBT, conforme definição do Conselho Nacional de Combate à Discriminação LGBT, em analogia ao disposto no § 2º do artigo 13 da Lei 7.347/85, bem como a fixação de multa diária nos termos do artigo 11 da Lei 7.347/85 no valor de R$500.000,0 (quinhentos mil reais) por cada ato de descumprimento da ordem judicial.
Com a inicial, vieram documentos (fls.22/67). O Ministério Público opinou a fls. 76/85 pela concessão da tutela antecipada, sendo demonstrados os fatos, sendo contundentes os fundamentos jurídicos que sustentam a ocorrência de violação de direitos da coletividade.
Prosseguindo, sustenta que a liberdade de expressão e o pluralismo político são pilares do Estado Democrático de Direitos, garantias essenciais à tutela da diversidade e da dignidade humana, merecendo especial resguardo em épocas eleitorais, quando o amplo debate apresenta importantes reflexos na garantia à livre convicção política da população e à representatividade popular dos candidatos eleitos. Todavia, a liberdade de expressão, ainda que configure direito caro à sociedade, não é absoluta, apresentando limites constitucionais quando implica em violações a direitos fundamentais do homem. É o que se constata no caso concreto, em que as declarações do requerido negam a própria dignidade humana à população LGBT. Vale ressaltar que não se nega o direito do então candidato à presidência da república de manifestar seus posicionamentos políticos sobre a questão homossexual. É salutar, aliás, que o assunto, de extrema relevância social, seja objeto de pautas das discussões eleitorais. Agindo dessa forma, propaga-se discurso de ódio contra uma minoria que vem lutando historicamente, a duras penas, pela garantia de direitos fundamentais mínimos.
A exordial narra fatos concretos e reiterados de agressões contra homossexuais em razão da sua opção sexual, muitas das quais culminaram inclusive com a morte das vítimas. Isso reflete uma triste realidade brasileira de violência e discriminação a esse segmento, a qual deve ser objeto de intenso combate pelo Poder Público, em sua função primordial de tutela da dignidade humana.
Portanto, agiu de forma irresponsável o candidato Levy Fidelix e, em consequência, o seu partido ao propagar discurso de teor discriminatório. Na qualidade de pessoa pública formadora de opinião, que obteve número relevante de votos no primeiro turno das eleições presidenciais de 2014, ao discursar em rede televisiva a todo o Brasil, tinha o dever ético e jurídico de atuar em consonância com os fundamentos da Constituição. Nese contexto, as consequências do discurso, pela gravidade do seu teor e porque divulgado em âmbito nacional no curso de eleições presidenciais, são deletérias à sociedade. De fato, os efeitos nocivos das declarações adotaram dimensões especialmente amplas, na medida em que as ofensas do então candidato à população LGBT propagam falso sentimento de legitimação política de condutas discriminatórias, fortalecendo-se as condutas de exclusão e violência contra essa minoria. O discurso perpetrado, portanto, consubstancia-se não só como um desserviço à sociedade democrática; mais do que isso, nega dignidade humana à população LGBT, violando frontalmente a Constituição Federal de 1988.
Afrontas desse teor fogem à liberdade de expressão e de manifestação política, demandando, portanto, resposta efetiva e firme do Poder Judiciário, que não pode compactuar com essa realidade, sob pena de assistir, impassível, a efetiva regressão social em matéria de direitos humanos. Foi indeferida a tutela antecipada nos termos da decisão proferida a fl.86. Foi noticiada a interposição de Agravo de Instrumento. Citado, o requerido PRTB apresentou contestação a fls. 112/121 impugnando a pretensão autoral. Pleiteou a isenção de custas processuais. Arguiu preliminar de ilegitimidade ativa "ad causam" da Defensoria Pública e ilegitimidade passiva do Partido, invocando o artigo 15-A da Lei 9.096/95. No mérito, em nenhum momento o candidato incitou o ódio, mas sim manifestou o seu pensamento em debate televisivo. No final da resposta, pontuou que se está na lei, que fique como está, mas estimular jamais a união homoafetiva. O candidato para ilustrar sua postura firme e clara, quanto ao controvertido tema trazido na pergunta realizada, de forma ilustrativa, citou coo paradigma de sua postura o maior líder de sua religião, o Papa Francisco, que expulsou da Igreja Padre pedófilo. O candidato deixou clara sua postura ideológica, quanto ao casamento igualitário entre pessoas do mesmo sexo, no sentido de demonstrar sua posição. Menciona Deputados que apresentaram projetos de lei ao Congresso Nacional colocando em discussão o assunto. A postura do candidato não é homofóbica. Termina por requerer o acolhimento das preliminares ou então a improcedência. Trouxe documentos. Citado, o requerido José Levy Fidelix da Cruz também impugnando a pretensão autoral, reiterando os argumentos apresentados pelo corréu. Afirma que não incitou o ódio, mas sim manifestou seu pensamento em debate eleitoral televisivo. No contexto de sua negativa, o requerido deixou claro à população brasileira sua postura de defensor da família contemplada no artigo 1.514 do Código Civil combinado com o artigo 226 parágrafo 5º da Constituição Federal. O requerido não agiu de forma hipócrita e dissimulada somente para angariar votos da Comunidade LGBT. Termina por requerer o acolhimento da preliminar ou então a improcedência, com os consectários legais. Trouxe documentos. Réplica acostada.
É o relatório. Fundamento e Decido. A questão de fato e de direito encontra-se suficientemente dirimida pela prova documental, sendo que o feito comporta julgamento antecipado ante a desnecessidade de produção de provas em audiência, razão pela qual passo ao imediato julgamento na forma do artigo 330, I do Código de Processo Civil. Nesse sentido: "Tendo o Magistrado elementos suficientes para o esclarecimento da questão, fica o mesmo autorizado a dispensar a produção de quaisquer outras provas, ainda que já tenha saneado o processo, podendo julgar antecipadamente a lide, sem que isso configure cerceamento de defesa" (Código de Processo Civil e legislação processual em vigor - Theotônio Negrão Ed. Saraiva 31ª ed. -pág. 397). "O propósito de produção de provas não obsta ao julgamento antecipado da lide, se os aspectos decisivos da causa se mostram suficientes para embasar o convencimento do magistrado" (STF- RE 96725/RS - Rel. Min. Rafael Mayer). "Cerceamento de defesa. Não configuração. Questões eminentemente de direito. Desnecessidade de perícia contábil ou de produção de prova oral. Preliminar afastada ...." (Apelação nº 991.07.002767-0 (7.123.098-7)/ Araçatuba, rel. Des. Luis Carlos de Barros). Ora, estando em termos o processo, o Juiz deve julgá-lo desde logo: "Presentes as condições que ensejam o julgamento antecipado da causa, é dever do juiz, e não mera faculdade, assim proceder". (STJ, 4a T., REsp n° 2.832-RJ, rel. Min. Sálvio de Figueiredo, j . 14.8.1990) No mesmo sentido: RSTJ 102/500 e RT 782/302.
A presente ação civil pública visa à tutela dos direitos individuais homogêneos, assim entendidos aqueles que possuem origem comum, dispensando, todavia, a existência de uma relação jurídica entre seus titulares, ou mesmo entre esses e o causador do dano. São direitos divisíveis, na medida em que se mostra possível a quantificação da pretensão de cada um dos interessados. Seus titulares são identificados e determinados. Sua finalidade é permitir a prestação jurisdicional de maneira uniforme, ágil e eficiente, aos consumidores lesados em decorrência de um mesmo fato de responsabilidade do fornecedor.
Dispõe o artigo 134 da Constituição Federal que: "Art. 134. A Defensoria Pública é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe, como expressão e instrumento do regime democrático, fundamentalmente, a orientação jurídica, a promoção dos direitos humanos e a defesa, em todos os graus, judicial e extrajudicial, dos direitos individuais e coletivos, de forma integral e gratuita, aos necessitados, na forma do inciso LXXIV do art. 5º desta Constituição Federal." Assim, a Defensoria Pública é legitimada ativa para a defesa de interesses individuais homogêneos, nos termos dos artigos 81 e 82 do Código de Defesa do Consumidor. Neste sentido: "ENSINO ENEM ALUNOS INSCRITOS DADOS EXPOSIÇÃO SIGILO PROTEÇÃO DEFENSORIA PÚBLICA LEGITIMIDADE "Administrativo e processual civil. Ação civil pública. Exposição dos dados dos alunos inscritos no Enem. Proteção à intimidade e ao sigilo de dados. Legitimidade da defensoria pública. Art. 5º, inciso II, da Lei nº 7.347/1985 (redação dada pela Lei nº 11.448/2007). 1. Ação civil pública intentada pela DPU cujo objetivo é a obtenção de provimento jurisdicional que determine a dados cadastrais dos alunos que se inscreveram no Enem nos anos de 2007, 2008, e 2009. 2. A defensoria pública tem legitimidade ativa ad causam para propor ação civil pública com o objetivo de defender interesses individuais homogêneos de relevância social, assegurando a dignidade da pessoa humana, entendida como núcleo central dos direitos fundamentais (REsp 1.106.515/MG, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, 1ª Turma, DJe 02.02.2011). Apelação provida." (TRF 5ª R. AC 0012813-81.2010.4.05.8100/CE 3ª T. Rel. Des. Fed. Geraldo Apoliano DJe 01.04.2013)" Afasto também a preliminar de ilegitimidade passiva, eis que as declarações do requerido não se encontram desvinculadas de seu Partido, aliás, o mesmo participou do debate justamente representando a sua agremiação política. O mais é matéria de mérito e com ele deve ser analisado. Por primeiro, anoto que o direito de um indivíduo não pode eliminar o direito do outro, seu semelhante. Para Immanuel Kant, a Ética define as regras respeitadas pelos indivíduos que tem liberdade para escolher aquelas que valeriam para todos os demais. Já a Moral pode ser definida como um conjunto de regras de conduta ou hábitos julgados válidos, quer de modo absoluto, quer para grupo ou pessoas determinadas. Respeitado entendimento diverso, como bem acentuou o D. Representante do Ministério Público, a conduta descrita na inicial ultrapassou a liberdade de expressão assegurada constitucionalmente, não podendo ser aceita a tese defensiva de que o candidato apenas estava expondo a sua postura ideológica, valendo destacar o seu Parecer: "(...) a liberdade de expressão e o pluralismo político são pilares do Estado Democrático de Direitos, garantias essenciais à tutela da diversidade e da dignidade humana, merecendo especial resguardo em épocas eleitorais, quando o amplo debate apresenta importantes reflexos na garantia à livre convicção política da população e à representatividade popular dos candidatos eleitos.
Todavia, a liberdade de expressão, ainda que configure direito caro à sociedade, não é absoluta, apresentando limites constitucionais quando implica em violações a direitos fundamentais do homem. É o que se constata no caso concreto, em que as declarações do requerido negam a própria dignidade humana à população LGBT. Vale ressaltar que não se nega o direito do então candidato à presidência da república de manifestar seus posicionamentos políticos sobre a questão homossexual. É salutar, aliás, que o assunto, de extrema relevância social, seja objeto de pautas das discussões eleitorais. Agindo dessa forma, propaga-se discurso de ódio contra uma minoria que vem lutando historicamente, a duras penas, pela garantia de direitos fundamentais mínimos. A exordial narra fatos concretos e reiterados de agressões contra homossexuais em razão da sua opção sexual, muitas das quais culminaram inclusive com a morte das vítimas. Isso reflete uma triste realidade brasileira de violência e discriminação a esse segmento, a qual deve ser objeto de intenso combate pelo Poder Público, em sua função primordial de tutela da dignidade humana. Portanto, agiu de forma irresponsável o candidato Levy Fidelix e, em consequência, o seu partido ao propagar discurso de teor discriminatório. Na qualidade de pessoa pública formadora de opinião, que obteve número relevante de votos no primeiro turno das eleições presidenciais de 2014, ao discursar em rede televisiva a todo o Brasil, tinha o dever ético e jurídico de atuar em consonância com os fundamentos da Constituição. Nese contexto, as consequências do discurso, pela gravidade do seu teor e porque divulgado em âmbito nacional no curso de eleições presidenciais, são deletérias à sociedade. De fato, os efeitos nocivos das declarações adotaram dimensões especialmente amplas, na medida em que as ofensas do então candidato à população LGBT propagam falso sentimento de legitimação política de condutas discriminatórias, fortalecendo-se as condutas de exclusão e violência contra essa minoria. O discurso perpetrado, portanto, consubstancia-se não só como um desserviço à sociedade democrática; mais do que isso, nega dignidade humana à população LGBT, violando frontalmente a Constituição Federal de 1988. Afrontas desse teor fogem à liberdade de expressão e de manifestação política, demandando, portanto, resposta efetiva e firme do Poder Judiciário, que não pode compactuar com essa realidade, sob pena de assistir, impassível, a efetiva regressão social em matéria de direitos humanos". Portanto, ao afirmar que "dois iguais não fazem filho" e que "aparelho excretor não reproduz", comparando a homossexualidade à pedofilia, e que o mais importante é que a população LGBT seja atendida no plano psicológico e afetivo, mas "bem longe da gente", respeitado entendimento diverso, o candidato ultrapassou os limites da liberdade de expressão, incidindo sim em discurso de ódio, pregando a segregação do grupo LGBT. Não se nega o direito do candidato em expressar sua opinião, contudo, o mesmo empregou palavras extremamente hostis e infelizes a pessoas que também são seres humanos e merecem todo o respeito da sociedade, devendo ser observado o princípio da igualdade. No que tange aos danos morais, a situação causou inegável aborrecimento e constrangimento a toda população, não havendo justificativa para a postura adotada pelo requerido. De acordo com o artigo 226 parágrafo terceiro da Constituição Federal temos positivado que: "Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.(...) § 3º. Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.". A Carta Constitucional ainda dispõe que: "Art. 3º. Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: (...) IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação." Ora, em um primeiro momento seria possível cogitar que somente a entidade familiar formada por um homem e uma mulher mereceriam proteção jurídica. Contudo, aplicando-se os princípios da razoabilidade e da dignidade da pessoa humana, bem como adotando-se uma interpretação sistemática dos dispositivos constitucionais acima transcritos podemos concluir que as uniões estabelecidas entre pessoas do mesmo sexo devem ser reconhecidas e igualmente tuteladas. Assim sendo, mister se faz que o Direito acompanhe a evolução da sociedade. Maria Berenice Dias de forma bastante esclarecedora pondera que: "6. Uniões homoafetivas De forma cômoda, o Judiciário busca não ver e nada deferir quando a causa tem por fundamento união entre duas pessoas do mesmo sexo. No máximo busca subterfúgios no campo do Direito das Obrigações, identificando como sociedade de fato o que nada mais é do que uma sociedade de afeto. A exclusão de tais relacionamentos da órbita do Direito de Família acaba impedindo a concessão dos direitos que defluem das relações familiares, tais como meação, herança, usufruto, habitação, alimentos, benefícios previdenciários, entre tantos outros. Relegar essas questões ao âmbito obrigacional gera, no mínimo, um contra-senso. Os juízes de família acabavam se socorrendo de distinto ramo do Direito para o qual não detêm competência. Descabe continuar pensando com preconceitos, isto é, com conceitos preestabelecidos e que ainda se encontram encharcados de conservadorismo. É necessário pensar com conceitos jurídicos, e para isso é necessário pensar novos conceitos. Daí a missão fundamental da jurisprudência. Necessita o juiz desempenhar seu papel de agente transformador de conceitos estagnados, tal como ocorreu com a união estável heterossexual. A alteração do conceito social das chamadas relações concubinárias foi provocada pelos operadores do Direito. Quando passou a Justiça a extrair conseqüências jurídicas dos relacionamentos extramatrimoniais, isso as fez serem reconhecidas como entidade familiar em sede constitucional. Ao menos até que o legislador pátrio siga a trilha da Justiça e flagre o descaso do Estado em regulamentar tais relações, que merecem como já conquistaram na maioria dos países do mundo uma regulamentação própria, a responsabilidade é do Poder Judiciário. Ainda que tenha vindo a Constituição, com ares de modernidade, outorgar proteção à família, independentemente da celebração do casamento, continuaram ignoradas as entidades familiares formadas por pessoas do mesmo sexo. No entanto, não mais se diferencia a família pela ocorrência do casamento. A existência de um par heterossexual não é requisito essencial para que a convivência mereça reconhecimento como entidade familiar. Basta atentar em que a proteção constitucional é outorgada também às famílias monoparentais. Assim, nem a prole nem a capacidade procriativa são pressupostos para que a convivência de duas pessoas mereça a proteção jurídica. Por tais fundamentos, é descabido deixar fora do conceito de família as relações homoafetivas. Presentes os requisitos de vida em comum, coabitação, laços afetivos, mister conceder aos casais homossexuais os mesmos direitos deferidos às uniões heterossexuais que tenham idênticas características. Diante da lacuna da lei, deve o julgador se socorrer do art. 4º da Lei de Introdução ao Código Civil, que determina a aplicação da analogia, dos costumes e princípios gerais de direito. Ante a falta de normatização, só pode ser feita analogia com as demais relações que têm o afeto por causa, ou seja, o casamento e a união estável. Enquanto a lei não acompanha a evolução da sociedade, a mudança de mentalidade, o avanço do conceito de moralidade, ninguém, muito menos os juízes, pode, de forma preconceituosa ou discriminatória, fechar os olhos a essa nova realidade e ser fonte de grandes injustiças.
Descabe confundir questões jurídicas com questões morais ou religiosas. A mesma responsabilidade, outrora, assumiu a Justiça com referência às uniões extraconjugais. Deve agora mostrar igual independência e coragem quanto às uniões homossexuais. Ambas são relações afetivas, vínculos em que há comprometimento amoroso. Assim, é imperioso reconhecer a existência de um gênero de união estável que comporta mais de uma espécie: relações hetero e homoafetivas. Ambas fazem jus à mesma proteção. Enquanto não surgir legislação que regule especificamente as uniões homossexuais, é de aplicar-se a legislação pertinente aos vínculos familiares. Indispensável que se passe a aceitar que os vínculos homoafetivos configuram uma categoria social que não pode mais ser discriminada ou marginalizada pelo preconceito. Está na hora de o Estado, que se quer democrático e que consagra como princípio maior o respeito à dignidade da pessoa humana, reconhecer que todos os cidadãos dispõem do direito individual à liberdade, do direito social de escolha e do direito humano à felicidade." Paulo Luiz Neto Lobo em magistral artigo também perfilha deste entendimento: "10 Da União Homossexual como Entidade Familiar As uniões homossexuais seriam entidades familiares constitucionalmente protegidas? Sim, quando preencherem os requisitos de afetividade, estabilidade e ostensibilidade. 12 A norma de inclusão do art. 226 da Constituição apenas poderia ser excepcionada se houvesse outra norma de exclusão explícita de tutela dessas uniões. Entre as entidades familiares explícitas há a comunidade monoparental, que dispensa a existência de par andrógino (homem e mulher). A ausência de lei que regulamente essas uniões não é impedimento para sua existência, porque as normas do art. 226 são auto-aplicáveis, independentemente de regulamentação. Por outro lado, não vejo necessidade de equipará-las à união estável, que é entidade familiar completamente distinta, somente admissível quando constituída por homem e mulher (§ 3º do art. 226). Os argumentos que têm sido utilizados no sentido da equiparação são dispensáveis, uma vez que as uniões homossexuais são constitucionalmente protegidas enquanto tais, com sua natureza própria. O argumento da impossibilidade de filiação não se sustenta, pelas seguintes razões: a) a família sem filhos é família tutelada constitucionalmente; b) a procriação não é finalidade indeclinável da família constitucionalizada; c) a adoção permitida a qualquer pessoa, independentemente do estado civil (art. 42 do ECA), não impede que a criança se integre à família, ainda que o parentesco civil seja apenas com um dos parceiros. Os tribunais brasileiros demonstram maior receptividade para atribuição de efeitos às uniões homossexuais, ainda que sob a indevida qualificação de "sociedade de fato". O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul julgou caso decorrente da relação homossexual de dois homens, que viveram juntos durante trinta anos. Um deles, que adotou uma menina, deixou patrimônio que foi disputado entre a filha e o outro companheiro. O Tribunal reconheceu, com razão, a existência da entidade familiar, e segundo o modelo do direito de família, decidindo pela meação entre a filha e o companheiro sobrevivente. A justiça federal do Rio Grande do Sul tem decidido no sentido de determinar ao INSS a concessão aos parceiros homossexuais dos mesmos benefícios previdenciários devidos aos cônjuges e companheiros de união estável. 13 Além da invocação das normas da Constituição que tutelam especificamente as relações familiares, preferidas nesta exposição, a doutrina tem encontrado fundamento para as uniões homossexuais no âmbito dos direitos fundamentais, sediados no art. 5º, notadamente os que garantem a liberdade, a igualdade sem distinção de qualquer natureza, a inviolabilidade da intimidade e da vida privada. Tais normas assegurariam "a base jurídica para a construção do direito à orientação sexual como direito personalíssimo, atributo inerente à pessoa humana". 14 Conclusão Os tipos de entidades familiares explicitamente referidos na Constituição brasileira não encerram numerus clausus. As entidades familiares, assim entendidas as que preencham os requisitos de afetividade, estabilidade e ostensibilidade, estão constitucionalmente protegidas, como tipos próprios, tutelando-se os efeitos jurídicos pelo direito de família e jamais pelo direito das obrigações, cuja incidência degrada sua dignidade e das pessoas que as integram. A Constituição de 1988 suprimiu a cláusula de exclusão, que apenas admitia a família constituída pelo casamento, mantida nas Constituições anteriores, adotando um conceito aberto, abrangente e de inclusão. Violam o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana as interpretações que (a) excluem as demais entidades familiares da tutela constitucional ou (b) asseguram tutela dos efeitos jurídicos no âmbito do direito das obrigações, como se os integrantes dessas entidades fossem sócios de sociedade de fato mercantil ou civil. Cada entidade familiar submete-se a estatuto jurídico próprio, em virtude de requisitos de constituição e efeitos específicos, não estando uma equiparada ou condicionada aos requisitos da outra. Quando a legislação infraconstitucional não cuida de determinada entidade familiar, ela é regida pelos princípios e regras constitucionais, pelas regras e princípios gerais do direito de família aplicáveis e pela contemplação de suas especificidades. Não pode haver, portanto, regras únicas, segundo modelos únicos ou preferenciais. O que as unifica é a função de locus de afetividade e da tutela da realização da personalidade das pessoas que as integram; em outras palavras, o lugar dos afetos, da formação social onde se pode nascer, ser, amadurecer e desenvolver os valores da pessoa. Não se pode enxergar na Constituição o que ela expressamente repeliu, isto é, a proteção de tipo ou tipos exclusivos de família ou da família como valor em si, com desconsideração das pessoas que a integram. Não há, pois, na Constituição, modelo preferencial de entidade familiar, do mesmo modo que não há família de fato, pois contempla o direito à diferença. Quando ela trata de família está a referir-se a qualquer das entidades possíveis. Se há família, há tutela constitucional, com idêntica atribuição de dignidade." Dessarte, não é possível que o julgador adote posição de inércia, principalmente considerando que o Direito deve servir de instrumento de pacificação social, independentemente da opção sexual de cada indivíduo. Citem-se os seguintes arestos do Colendo Superior Tribunal de Justiça: "UNIÃO ESTÁVEL HOMOAFETIVA. Em renovação de julgamento, após voto de desempate do Min. Luís Felipe Salomão, a Turma, por maioria, afastou o impedimento jurídico ao admitir a possibilidade jurídica do pedido de reconhecimento de união estável entre homossexuais. Assim, o mérito do pedido deverá ser analisado pela primeira instância, que irá prosseguir no julgamento anteriormente extinto sem julgamento de mérito, diante do entendimento da impossibilidade do pedido. Os Ministros Antônio de Pádua Ribeiro e Massami Uyeda votaram a favor da possibilidade jurídica do pedido por entender que a legislação brasileira não traz nenhuma proibição ao reconhecimento de união estável entre as pessoas do mesmo sexo. Já os Ministros Fernando Gonçalves e Aldir Passarinho Junior não reconheciam a possibilidade do pedido por entender que a CF/1988 e o CC só consideram união estável a relação entre homem e mulher com objetivo de formar entidade familiar. (STJ - REsp nº 820.475 - RJ - Rel. originário Min. Antônio de Pádua Ribeiro, Rel. para acórdão Min. Luís Felipe Salomão - J. 2.9.2008)." "DIREITO CIVIL. FAMÍLIA. ADOÇÃO DE MENORES POR CASAL HOMOSSEXUAL. SITUAÇÃO JÁ CONSOLIDADA. ESTABILIDADE DA FAMÍLIA. PRESENÇA DE FORTES VÍNCULOS AFETIVOS ENTRE OS MENORES E A REQUERENTE. IMPRESCINDIBILIDADE DA PREVALÊNCIA DOS INTERESSES DOS MENORES. RELATÓRIO DA ASSISTENTE SOCIAL FAVORÁVEL AO PEDIDO. REAIS VANTAGENS PARA OS ADOTANDOS. ARTIGOS 1º DA LEI 12.010/09 E 43 DO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. DEFERIMENTO DA MEDIDA. 1. A questão diz respeito à possibilidade de adoção de crianças por parte de requerente que vive em união homoafetiva com companheira que antes já adotara os mesmos filhos, circunstância a particularizar o caso em julgamento. 2. Em um mundo pós-moderno de velocidade instantânea da informação, sem fronteiras ou barreiras, sobretudo as culturais e as relativas aos costumes, onde a sociedade transforma-se velozmente, a interpretação da lei deve levar em conta, sempre que possível, os postulados maiores do direito universal. 3. O artigo 1º da Lei 12.010/09 prevê a "garantia do direito à convivência familiar a todas e crianças e adolescentes". Por sua vez, o artigo 43 do ECA estabelece que "a adoção será deferida quando apresentar reais vantagens para o adotando e fundar-se em motivos legítimos". 4. Mister observar a imprescindibilidade da prevalência dos interesses dos menores sobre quaisquer outros, até porque está em jogo o próprio direito de filiação, do qual decorrem as mais diversas consequencias que refletem por toda a vida de qualquer indivíduo. 5. A matéria relativa à possibilidade de adoção de menores por casais homossexuais vincula-se obrigatoriamente à necessidade de verificar qual é a melhor solução a ser dada para a proteção dos direitos das crianças, pois são questões indissociáveis entre si. 6. Os diversos e respeitados estudos especializados sobre o tema, fundados em fortes bases científicas (realizados na Universidade de Virgínia, na Universidade de Valência, na Academia Americana de Pediatria), "não indicam qualquer inconveniente em que crianças sejam adotadas por casais homossexuais, mais importando a qualidade do vínculo e do afeto que permeia o meio familiar em que serão inseridas e que as liga a seus cuidadores". 7. Existência de consistente relatório social elaborado por assistente social favorável ao pedido da requerente, ante a constatação da estabilidade da família. Acórdão que se posiciona a favor do pedido, bem como parecer do Ministério Público Federal pelo acolhimento da tese autoral. 8. É incontroverso que existem fortes vínculos afetivos entre a recorrida e os menores sendo a afetividade o aspecto preponderante a ser sopesado numa situação como a que ora se coloca em julgamento. 9. Se os estudos científicos não sinalizam qualquer prejuízo de qualquer natureza para as crianças, se elas vêm sendo criadas com amor e se cabe ao Estado, ao mesmo tempo, assegurar seus direitos, o deferimento da adoção é medida que se impõe. 10. O Judiciário não pode fechar os olhos para a realidade fenomênica. Vale dizer, no plano da "realidade", são ambas, a requerente e sua companheira, responsáveis pela criação e educação dos dois infantes, de modo que a elas, solidariamente, compete a responsabilidade. 11. Não se pode olvidar que se trata de situação fática consolidada, pois as crianças já chamam as duas mulheres de mães e são cuidadas por ambas como filhos. Existe dupla maternidade desde o nascimento das crianças, e não houve qualquer prejuízo em suas criações. 12. Com o deferimento da adoção, fica preservado o direito de convívio dos filhos com a requerente no caso de separação ou falecimento de sua companheira. Asseguram-se os direitos relativos a alimentos e sucessão, viabilizando-se, ainda, a inclusão dos adotandos em convênios de saúde da requerente e no ensino básico e superior, por ela ser professora universitária. 13. A adoção, antes de mais nada, representa um ato de amor, desprendimento. Quando efetivada com o objetivo de atender aos interesses do menor, é um gesto de humanidade. Hipótese em que ainda se foi além, pretendendo-se a adoção de dois menores, irmãos biológicos, quando, segundo dados do Conselho Nacional de Justiça, que criou, em 29 de abril de 2008, o Cadastro Nacional de Adoção, 86% das pessoas que desejavam adotar limitavam sua intenção a apenas uma criança. 14. Por qualquer ângulo que se analise a questão, seja em relação à situação fática consolidada, seja no tocante à expressa previsão legal de primazia à proteção integral das crianças, chega-se à conclusão de que, no caso dos autos, há mais do que reais vantagens para os adotandos, conforme preceitua o artigo 43 do ECA. Na verdade, ocorrerá verdadeiro prejuízo aos menores caso não deferida a medida. 15. Recurso especial improvido. (REsp 889.852/RS, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 27/04/2010, DJe 10/08/2010)" Recentemente decidiu a Egrégia 4ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo no julgamento da Apelação Cível n.° 994.09.277.447-1, relatada pelo Desembargador Natan Zelinschi de Arruda que: (...) 2. A r. sentença apelada merece ser anulada. A possibilidade jurídica do pedido envolvendo ação declaratória de reconhecimento de união estável entre pessoas do mesmo sexo, cumulada com partilha de bens e herança não tem óbice no ordenamento jurídico vigente, haja vista que o legislador não colocou nenhum obstáculo para o reconhecimento de união homoafetiva. Assim, o disposto no § 3o, do artigo 226 da Magna Carta, não obstante fazer referência à união estável entre pessoas de sexo diverso, não restringiu expressamente a entidade familiar formada por pessoas do mesmo sexo. A jurisprudência assim entende: "Processo civil Ação declaratória de união homoafetiva. Princípio da identidade física do juiz. Ofensa não caracterizada ao artigo 132, do CPC. Possibilidade jurídica do pedido. Artigos 1º da lei 9.278/96 e 1.723 e 1.724 do Código Civil. Alegação de lacuna legislativa. Possibilidade de emprego da analogia como método integrativo. (...) 2. O entendimento assente nesta Corte, quanto à possibilidade jurídica do pedido, corresponde à inexistência de vedação explícita no ordenamento jurídico para o ajuizamento da demanda proposta. 3. A despeito da controvérsia em relação à matéria de fundo, o fato é que, para a hipótese em apreço, onde se pretende a declaração de união homoafetiva, não existe vedação legal para o prosseguimento do feito. 4. Os dispositivos legais limitam-se a estabelecer a possibilidade de união estável entre homem e mulher, dês que preencham as condições impostas pela lei, quais sejam, convivência pública, duradoura e contínua, sem, contudo, proibir a união entre dois homens ou duas mulheres. Poderia o legislador, caso desejasse, utilizar expressão restritiva, de modo a impedir que a união entre pessoas de idêntico sexo ficasse definitivamente excluída da abrangência legal. Contudo, assim não procedeu. 5. E possível, portanto, que o magistrado de primeiro grau entenda existir lacuna legislativa, uma vez que a matéria, conquanto derive de situação fática conhecida de todos, ainda não foi expressamente regulada. 6. Ao julgador é vedado eximir-se de prestar jurisdição sob o argumento de ausência de previsão legal. Admite-se, se for o caso, a integração mediante o uso da analogia, a fim de alcançar casos não expressamente contemplados, mas cuja essência coincida com outros tratados pelo legislador. 5. Recurso especial conhecido e provido." (REsp 820.475/RJ. Ministro Luis Felipe Salomão. Quarta Turma. J. 02-09-2008) "Ação de reconhecimento e dissolução de sociedade de fato união homoafetiva decisão saneadora que afastou as preliminares arguidas inépcia da petição inicial caracterizada, presentes os pressupostos art. 282, do CPC possibilidade jurídica pedido deduzido pelo autor e legítimo interesse de agir configurados [legitimidade passiva da agravada para figurar no pólo passivo da ação que objetiva a partilha de bens, com reflexos diretos sobre seus direitos sucessórios cabimento. Decisão mantida. Agravo improvido." (Agravo de instrumento n.° 575.641-4/9-00. Relator Des. Testa Marchi. Décima Câmara de Direito Privado. J. 24-03-2009) "Indeferimento da inicial. Reconhecimento de união estável homoafetiva. Pedido juridicamente possível. Vara de Família. Competência. Sentença de extinção afastada. Recurso provido para determinar o prosseguimento do feito." (Apelação n.° 552.574-4/4-00. Relator Des. Caetano Lagrasta. Oitava Câmara de Direito Privado. J. 12.03-2008). Por outro lado, a matéria se apresenta bastante polêmica, inclusive com notório dissídio jurisprudencial, o que afasta a possibilidade de extinção do processo por impossibilidade jurídica do pedido, mesmo porque, a controvérsia sobre o assunto configura, por si só, o necessário para que a inicial seja recebida e tenha regular seqüência o feito, incluindo-se no pólo passivo o titular do terreno em que fora edificada a construção em referência. Desta forma, o reconhecimento da união homoafetiva pleiteada está apta ao regular processamento, mesmo porque, o ordenamento jurídico vigente dá amparo à possibilidade e legalidade de associação entre pessoas de sexo diferente como para do mesmo sexo, e a omissão legislativa, em princípio, não pode impedir que a matéria tenha a decisão correspondente. Por último, a situação fática deve ter a entrega da prestação jurisdicional no mérito, pois se trata de matéria que exige o enfrentamento, tanto que inúmeros projetos de lei abrangendo o tema estão tramitando no Congresso Nacional. 3. Com base em tais fundamentos, anula-se a sentença para que o feito tenha regular seqüência. O julgamento teve a participação dos Desembargadores TEIXEIRA LEITE (Presidente sem voto), FRANCISCO LOUREIRO e ÊNIO SANTARELLI ZULIANI. (...)". Por fim, o Colendo Supremo Tribunal Federal assim se posicionou a respeito do tema conforme notícia veiculada no Informativo nº 625: Relação homoafetiva e entidade familiar - 1 A norma constante do art. 1.723 do Código Civil CC ("É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família") não obsta que a união de pessoas do mesmo sexo possa ser reconhecida como entidade familiar apta a merecer proteção estatal. Essa a conclusão do Plenário ao julgar procedente pedido formulado em duas ações diretas de inconstitucionalidade ajuizadas, respectivamente, pelo Procurador-Geral da República e pelo Governador do Estado do Rio de Janeiro. Preliminarmente, conheceu-se de argüição de preceito fundamental ADPF, proposta pelo segundo requerente, como ação direta, tendo em vista a convergência de objetos entre ambas as ações, de forma que as postulações deduzidas naquela estariam inseridas nesta, a qual possui regime jurídico mais amplo. Ademais, na ADPF existiria pleito subsidiário nesse sentido. Em seguida, declarou-se o prejuízo de pretensão originariamente formulada na ADPF consistente no uso da técnica da interpretação conforme a Constituição relativamente aos artigos 19, II e V, e 33 do Estatuto dos Servidores Públicos Civis da aludida unidade federativa (Decreto-lei 220/75). Consignou-se que, desde 2007, a legislação fluminense (Lei 5.034/2007, art. 1º) conferira aos companheiros homoafetivos o reconhecimento jurídico de sua união. Rejeitaram-se, ainda, as preliminares suscitadas. ADI 4277/DF, rel. Min. Ayres Britto, 4 e 5.5.2011. (ADI-4277) ADPF 132/RJ, rel. Min. Ayres Britto, 4 e 5.5.2011. (ADPF-132) Relação homoafetiva e entidade familiar - 2 No mérito, prevaleceu o voto proferido pelo Min. Ayres Britto, relator, que dava interpretação conforme a Constituição ao art. 1.723 do CC para dele excluir qualquer significado que impeça o reconhecimento da união contínua, pública e duradoura entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar, entendida esta como sinônimo perfeito de família. Asseverou que esse reconhecimento deveria ser feito segundo as mesmas regras e com idênticas conseqüências da união estável heteroafetiva. De início, enfatizou que a Constituição proibiria, de modo expresso, o preconceito em razão do sexo ou da natural diferença entre a mulher e o homem. Além disso, apontou que fatores acidentais ou fortuitos, a exemplo da origem social, idade, cor da pele e outros, não se caracterizariam como causas de merecimento ou de desmerecimento intrínseco de quem quer que fosse. Assim, observou que isso também ocorreria quanto à possibilidade da concreta utilização da sexualidade. Afirmou, nessa perspectiva, haver um direito constitucional líquido e certo à isonomia entre homem e mulher: a) de não sofrer discriminação pelo fato em si da contraposta conformação anátomo-fisiológica; b) de fazer ou deixar de fazer uso da respectiva sexualidade; e c) de, nas situações de uso emparceirado da sexualidade, fazê-lo com pessoas adultas do mesmo sexo, ou não. ADI 4277/DF, rel. Min. Ayres Britto, 4 e 5.5.2011. (ADI-4277) ADPF 132/RJ, rel. Min. Ayres Britto, 4 e 5.5.2011. (ADPF-132) Relação homoafetiva e entidade familiar - 3 Em passo seguinte, assinalou que, no tocante ao tema do emprego da sexualidade humana, haveria liberdade do mais largo espectro ante silêncio intencional da Constituição. Apontou que essa total ausência de previsão normativo-constitucional referente à fruição da preferência sexual, em primeiro lugar, possibilitaria a incidência da regra de que "tudo aquilo que não estiver juridicamente proibido, ou obrigado, está juridicamente permitido". Em segundo lugar, o emprego da sexualidade humana diria respeito à intimidade e à vida privada, as quais seriam direito da personalidade e, por último, dever-se-ia considerar a âncora normativa do § 1º do art. 5º da CF. Destacou, outrossim, que essa liberdade para dispor da própria sexualidade inserir-se-ia no rol dos direitos fundamentais do indivíduo, sendo direta emanação do princípio da dignidade da pessoa humana e até mesmo cláusula pétrea. Frisou que esse direito de exploração dos potenciais da própria sexualidade seria exercitável tanto no plano da intimidade (absenteísmo sexual e onanismo) quanto da privacidade (intercurso sexual). Asseverou, de outro lado, que o século XXI já se marcaria pela preponderância da afetividade sobre a biologicidade. Ao levar em conta todos esses aspectos, indagou se a Constituição sonegaria aos parceiros homoafetivos, em estado de prolongada ou estabilizada união realidade há muito constatada empiricamente no plano dos fatos , o mesmo regime jurídico protetivo conferido aos casais heteroafetivos em idêntica situação. ADI 4277/DF, rel. Min. Ayres Britto, 4 e 5.5.2011. (ADI-4277) ADPF 132/RJ, rel. Min. Ayres Britto, 4 e 5.5.2011. (ADPF-132) Relação homoafetiva e entidade familiar - 4 Após mencionar que a família deveria servir de norte interpretativo para as figuras jurídicas do casamento civil, da união estável, do planejamento familiar e da adoção, o relator registrou que a diretriz da formação dessa instituição seria o não-atrelamento a casais heteroafetivos ou a qualquer formalidade cartorária, celebração civil ou liturgia religiosa. Realçou que família seria, por natureza ou no plano dos fatos, vocacionalmente amorosa, parental e protetora dos respectivos membros, constituindo-se no espaço ideal das mais duradouras, afetivas, solidárias ou espiritualizadas relações humanas de índole privada, o que a credenciaria como base da sociedade (CF, art. 226, caput). Desse modo, anotou que se deveria extrair do sistema a proposição de que a isonomia entre casais heteroafetivos e pares homoafetivos somente ganharia plenitude de sentido se desembocasse no igual direito subjetivo à formação de uma autonomizada família, constituída, em regra, com as mesmas notas factuais da visibilidade, continuidade e durabilidade (CF, art. 226, § 3º: "Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento"). Mencionou, ainda, as espécies de família constitucionalmente previstas (art. 226, §§ 1º a 4º), a saber, a constituída pelo casamento e pela união estável, bem como a monoparental. Arrematou que a solução apresentada daria concreção aos princípios da dignidade da pessoa humana, da igualdade, da liberdade, da proteção das minorias, da não-discriminação e outros. O Min. Celso de Mello destacou que a conseqüência mais expressiva deste julgamento seria a atribuição de efeito vinculante à obrigatoriedade de reconhecimento como entidade familiar da união entre pessoas do mesmo sexo. ADI 4277/DF, rel. Min. Ayres Britto, 4 e 5.5.2011. (ADI-4277) ADPF 132/RJ, rel. Min. Ayres Britto, 4 e 5.5.2011. (ADPF-132) Relação homoafetiva e entidade familiar - 5 Por sua vez, os Ministros Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes e Cezar Peluso, Presidente, embora reputando as pretensões procedentes, assentavam a existência de lacuna normativa sobre a questão. O primeiro enfatizou que a relação homoafetiva não configuraria união estável que impõe gêneros diferentes , mas forma distinta de entidade familiar, não prevista no rol exemplificativo do art. 226 da CF. Assim, considerou cabível o mecanismo da integração analógica para que sejam aplicadas às uniões homoafetivas as prescrições legais relativas às uniões estáveis heterossexuais, excluídas aquelas que exijam a diversidade de sexo para o seu exercício, até que o Congresso Nacional lhe dê tratamento legislativo. O segundo se limitou a reconhecer a existência dessa união por aplicação analógica ou, na falta de outra possibilidade, por interpretação extensiva da cláusula constante do texto constitucional (CF, art. 226, § 3º), sem se pronunciar sobre outros desdobramentos. Ao salientar que a idéia de opção sexual estaria contemplada no exercício do direito de liberdade (autodesenvolvimento da personalidade), acenou que a ausência de modelo institucional que permitisse a proteção dos direitos fundamentais em apreço contribuiria para a discriminação. No ponto, ressaltou que a omissão da Corte poderia representar agravamento no quadro de desproteção das minorias, as quais estariam tendo seus direitos lesionados. O Presidente aludiu que a aplicação da analogia decorreria da similitude factual entre a união estável e a homoafetiva, contudo, não incidiriam todas as normas concernentes àquela entidade, porque não se trataria de equiparação. Evidenciou, ainda, que a presente decisão concitaria a manifestação do Poder Legislativo. Por fim, o Plenário autorizou que os Ministros decidam monocraticamente os casos idênticos ADI 4277/DF, rel. Min. Ayres Britto, 4 e 5.5.2011. (ADI-4277) ADPF 132/RJ, rel. Min. Ayres Britto, 4 e 5.5.2011. (ADPF-132)
Feitas estas considerações, passo a fixar o valor dos danos morais. Para o arbitramento da indenização, devem ser levados em consideração o constrangimento sofrido pelos autores, a conduta das partes e a gravidade e conseqüências dos fatos, buscando a fixação justa do quantum, atentando-se ao caráter preventivo e retributivo, não podendo servir de fonte para enriquecimento indevido nem insignificante para o ofensor. José Raffaelli Santini leciona que: "o critério de fixação do dano moral não se faz mediante um simples cálculo aritmético. O parecer a que se referem é que sustenta a referida tese. Na verdade, inexistindo critérios previstos por lei a indenização deve ser entregue ao livre arbítrio do julgador que, evidentemente, ao apreciar o caso concreto submetido a exame fará a entrega da prestação jurisdicional de forma livre e consciente, à luz das provas que forem produzidas. Verificará as condições das partes, o nível social, o grau de escolaridade, o prejuízo sofrido pela vítima, a intensidade da culpa e os demais fatores concorrentes para a fixação do dano, haja vista que costumeiramente a regra do direito pode se revestir de flexibilidade para dar a cada um o que é seu." Caio Mário da Silva Pereira explica que: "o fundamento da reparabilidade pelo dano moral está em que, a par do patrimônio em sentido técnico, o indivíduo é titular de direitos integrantes de sua personalidade, não podendo conformar-se à ordem jurídica em que sejam impunemente atingidos". O mesmo autor prossegue: "A vítima de uma lesão a algum daqueles direitos sem cunho patrimonial efetivo, mas ofendida em um bem jurídico que em certos casos pode ser mesmo mais valioso do que os integrantes de seu patrimônio, deve receber uma soma que lhe compense a dor ou o sofrimento, a ser arbitrada pelo juiz, atendendo às circunstâncias de cada caso, e tendo em vista as posses do ofensor e a situação pessoal do ofendido. Nem tão grande que se converta em fonte de enriquecimento, nem tão pequena que se torne inexpressiva". Humberto Theodoro Junior obtempera que: "o juiz, em cujas mãos o sistema jurídico brasileiro deposita a responsabilidade pela fixação do valor da reparação do dano moral, deverá fazê-lo de modo impositivo, levando em conta o binômio 'possibilidades do lesante' - 'condições do lesado', cotejado sempre com as particularidades circunstanciais do fato danoso". O arbitramento da condenação a título de dano moral deve operar-se com moderação, proporcionalmente ao grau de culpa, ao porte empresarial/pessoal das partes, suas atividades comerciais e, ainda, o valor do negócio, orientando-se o juiz pelos critérios sugeridos pela doutrina e jurisprudência, com razoabilidade, valendo-se da experiência e do bom senso, atento à realidade da vida, notadamente, à situação econômica atual e às peculiaridades do caso concreto. O respeito à imagem e a honra das pessoas são inerentes a todos os seres humanos. O dano moral coletivo decorreu da evolução do dano moral individual, ainda que eles apresentem características distintas. A criação e a aplicação do dano moral coletivo teve, como origem, uma nova concepção do Direito, ou seja, sob um prisma mais voltado para a esfera social.
Em excelente artigo, a Dra. Selma Pereira de Santana de forma bastante esclarecedora leciona que: 2 - DA RESPONSABILIDADE OBJETIVA POR PARTE DO AGRESSOR E A PROVA DO DANO MORAL COLETIVO A teoria da responsabilidade objetiva veio simplificar os procedimentos indenizatórios, na medida em que afastou a necessidade de configuração da culpa e do dolo por parte do agressor. Carlos Roberto Gonçalves (2003) sustenta que a lei impõe a certas pessoas, em determinadas situações, a reparação de um dano cometido sem culpa. Quando isso acontece, diz-se que a responsabilidade é legal ou "objetiva", porque prescinde da culpa e se satisfaz apenas com o dano e o nexo de causalidade. Essa teoria, chamada de "objetiva", ou "do risco", tem, como postulado, que todo dano é indenizável e deve ser reparado por quem a ele se liga por um nexo de causalidade, independentemente de culpa. Enfim, para a caracterização da responsabilidade pelo dano moral coletivo, adotou-se a responsabilidade objetiva, fazendo com que a sua ocorrência não decorra, exclusivamente, do dolo ou culpa, mas pela simples existência do dano, bem como o nexo entre o ato ilícito e o resultado deste. Nesse sentido, Xisto Tiago de Medeiros Neto (2007, p. 144) afirma que é certo aduzir, portanto, como corolário dos postulados constitucionais da "proteção geral dos direitos" e da "reparação integral dos danos" (art. 5º, II, V, X, XXXV, da Constituição da República), que, cuidando-se de dano moral coletivo, não se cogita perquirir-se a órbita de subjetividade do agente lesante, ou seja, não se faz pertinente buscar a presença do elemento culpa (lato sensu) para legitimar a reparação devida, haja vista que, repise-se, a responsabilidade incidente, nessa questão, é de natureza objetiva. Assim, o agressor que vitimar a coletividade em aspectos como: meio ambiente, relações de consumo, de trabalho, de raça, crença, sexo ou idade, e até de situações da Administração Pública, poderá ter que indenizar pela simples ocorrência do dano, seja ele decorrente, ou não, de dolo ou culpa". O autor citado Xisto Tiago de Medeiros Neto, em sua obra "Dano Moral Coletivo", São Paulo: LTr, 2004, p. 136, da mesma forma prossegue: "
A idéia e o reconhecimento do dano moral coletivo (lato sensu), bem como a necessidade de sua reparação, constituem mais uma evolução nos contínuos desdobramentos do sistema da responsabilidade civil, significando a ampliação do dano extrapatrimonial para um conceito não restrito ao mero sofrimento ou à dor pessoal, porém extensivo a toda modificação desvaliosa do espírito coletivo, ou seja, a qualquer ofensa a valores fundamentais compartilhados pela coletividade, e que refletem o alcance da dignidade dos seus membros". Além do mais, é suficiente, para que se tenha por comprovada a ocorrência do dano moral que o magistrado, de maneira prudente e equilibrada, adote o critério do homem médio para, com base na conclusão extraída dessa atividade, aferir se a conduta perpetrada contra o autor da ação que busca a reparação pelos danos morais, encontra um grau de reprovabilidade na sociedade em que ela foi praticada. Configurados os elementos caracterizadores da obrigação de indenizar, é fundamental que a quantificação do dano moral guarde consonância com os princípios da razoabilidade e proporcionalidade, uma vez que o referido instituto, na medida em que não pode servir de fonte de enriquecimento ilícito para a vítima, igualmente não pode ser tão desprezível a ponto de encorajar o ofensor a continuar perpetrando atos similares, ressaltando que não pode, também, levar à penúria o agente agressor, sob pena de, igualmente, configura-se injusto. Deve, portanto, ser dosado na medida certa: nem mais, nem menos. Considerando os elementos acima discriminados, estipulo a indenização devida em R$1.000.000,00, na forma postulada na inicial, eis que valor inferior certamente em nada puniria a conduta lesiva, sempre com vistas à denominada "Teoria do Desestímulo". Como a dor não se mede monetariamente, a importância a ser paga terá de submeter-se a "um poder discricionário", mas segundo "um prudente arbítrio dos juízes da fixação do quantum da condenação, arbítrio esse que emana da natureza das coisas".
E concluía o douto Des. AMÍLCAR DE CASTRO: "Causando o dano moral, fica o responsável sujeito às conseqüências de seu ato, a primeira das quais será essa de pagar uma soma que for arbitrada, conforme a gravidade do dano e a fortuna dele, responsável, a critério do Poder Judiciário, como justa reparação do prejuízo sofrido, e não como fonte de enriquecimento" (Rev. Forense 93/529). Recomendava, ainda, o mesmo decisório que a condenação fosse ao pagamento do "que for arbitrado razoavelmente", porque não se trata de "enriquecer um necessitado" nem de "aumentar a fortuna de um milionário", mas apenas de "impor uma sanção jurídica ao responsável pelo dano moral causado" (Rev. Forense 93/530). A reparação do dano moral, segundo AGUIAR DIAS, deve seguir um processo idôneo, que busque para o ofendido um "equivalente adequado". Lembra, para tanto, a lição de LACOSTE, segundo a qual não se pretende que a indenização fundada na dor moral "seja sem limite". Aliás, "a reparação será sempre, sem nenhuma dúvida, inferior ao prejuízo experimentado, mas, de outra parte, quem atribuísse demasiada importância a esta reparação de ordem inferior se mostraria mais preocupado com a idéia de lucro do que mesmo com a injúria às suas afeições; pareceria especular sobre sua dor e seria evidentemente chocante a condenação cuja cifra favorecesse tal coisa" (apud AGUIAR DIAS, Da Responsabilidade Civil, 9ª ed., Rio, Forense, 1994, vol. II, pág. 740, nota 63). Em análise recente, feita já à luz da Constituição de 1988, o grande civilista contemporâneo CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA faz o seguinte balizamento para a fixação do ressarcimento no caso de dano moral, que, sem dúvida, correspondente à melhor e mais justa lição sobre o penoso tema: "A vítima de uma lesão a algum daqueles direitos sem cunho patrimonial efetivo, mas ofendida em um bem jurídico que em certos casos pode ser mesmo mais valioso do que os integrantes de seu patrimônio, deve receber uma soma que lhe compense a dor ou o sofrimento, a ser arbitrada pelo juiz, atendendo às circunstâncias de cada caso, e tendo em vista as posses do ofensor e a situação pessoal do ofendido. Nem tão grande que se converta em fonte de enriquecimento, nem tão pequena que se torne inexpressiva" (Responsabilidade Civil cit., nº 49, pág. 67).
Feitas todas estas considerações e parâmetros, tenho como justo entre as partes a fixação do dano moral coletivo sofrido em R$1.000.000,00. Por fim, reputando presentes os requisitos legais autorizadores, entendo que é de ser deferida a tutela antecipada, como bem ponderou o D. Representante do Ministério Público, a urgência da medida caracteriza-se diante da demanda social por resposta imediata, pois já foi constatado o dano, e a morosidade na apresentação de programa compensatório poderia potencializar as influências negativas, acentuando ainda mais a discriminação perpetrada contra a sociedade LGBT. POSTO ISSO e considerando o que mais dos autos consta, JULGO PROCEDENTE o pedido inicial condeno a requerida ao pagamento do valor de danos morais no valor de R$1.000.000,00 (um milhão de reais), devidamente corrigidos a partir da presente ocasião (Súmula 362 do CSTJ) e juros legais a partir do evento danoso (Súmula 54 do CSTJ), que reverterá para as ações de promoção de igualdade da população LGBT, conforme definição do Conselho Nacional de Combate à Discriminação LGBT, em analogia ao disposto no § 2º do artigo 13 da Lei 7.347/85, deferindo a tutela antecipada para que os requeridos promovam um programa, com a mesma duração dos discursos do requerido Levi Fidelix, e na mesma faixa de horário da programação, que promova os direitos da população LGBT, no prazo de trinta dias a partir da publicação da presente sentença, fixando-se multa no valor de R$500.000,00 (quinhentos mil reais) por cada ato de descumprimento da ordem judicial aqui determinada, extinguindo o processo com resolução do mérito na forma do artigo 269 inciso I do Código de Processo Civil. Não há condenação ao pagamento de custas, despesas ou honorários, ausente má- fé, nos termos do art.18 da Lei nº 7.347/85, aplicável analogicamente ao caso. Para apreciação do pedido de concessão dos benefícios da assistência judiciária gratuita e verificação do preenchimento dos requisitos legais, providencie o requerido cópia de sua última declaração de imposto de renda.
Trago à colação o seguinte aresto do Egrégio Tribunal de Justiça de São Paulo, proferido na Apelação nº 9194839-91.2008.8.26.0000, relatado pelo Desembargador Luiz Antonio de Godoy: "De início, observa-se que o pedido de concessão de assistência judiciária gratuita, formulado pela recorrente, não merece acolhimento. Segundo a consolidada orientação do Superior Tribunal de Justiça, por sua Corte Especial, foi reconhecido que há hipóteses distintas a serem consideradas com relação ao pedido de assistência judiciária gratuita formulado por pessoa jurídica: ser ou não ela entidade que objetive lucro. Já decidiu o Superior Tribunal de Justiça que "a pessoa jurídica também pode gozar das benesses alusivas à assistência judiciária gratuita, Lei 1.060/50. Todavia, a concessão deste benefício impõe distinções entre as pessoas física e jurídica, quais sejam: a) para a pessoa física, basta o requerimento formulado junto à exordial, ocasião em que a negativa do benefício fica condicionada à comprovação da assertiva não corresponder à verdade, mediante provocação do réu. Nesta hipótese, o ônus é da parte contrária provar que a pessoa física não se encontra em estado de miserabilidade jurídica. Pode, também, o juiz, na qualidade de Presidente do processo, requerer maiores esclarecimentos ou até provas, antes da concessão, na hipótese de encontrar-se em "estado de perplexidade"; b) já a pessoa jurídica, requer uma bipartição, ou seja, se a mesma não objetivar o lucro (entidades filantrópicas, de assistência social, etc.), o procedimento se equipara ao da pessoa física, conforme anteriormente salientado"(Embargos de Divergência no Recurso Especial nº 388.045 RS, Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, v. un., Rel. Min. Gilson Dipp, em 1º/8/03, DJ de 22/9/03, pág. 252).
É certo que o fato de cuidar-se a apelante de sociedade civil sem fins lucrativos não a faz merecedora do benefício pleiteado. Ainda que pudesse uma pessoa jurídica ter direito ao benefício da gratuidade, in casu, não restou demonstrado nos autos achar-se a recorrente em situação financeira precária. Sem dúvida, a benesse deve ser concedida em termos comedidos, reservando-se àquelas pessoas jurídicas que, efetivamente, se encontrem em situação particular de premência de recursos. Aliás, é certo que "O Superior Tribunal de Justiça pacificou sua jurisprudência no sentido de que 'o benefício da gratuidade pode ser concedido às pessoas jurídicas apenas se comprovarem que dele necessitam, independentemente de terem ou não fins lucrativos' (EREsp 1.015.372/SP, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, DJ 1º/7/2009)" (AgRg no Ag 1341056/PR, 2ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, v.un., Rel. Min. Humberto Martins, DJe 09/11/2010), o que, conforme já mencionado, não ocorreu na presente hipótese. Por fim, nos termos da Súmula 481 do Colendo Superior Tribunal de Justiça temos que: "Faz jus ao benefício da justiça gratuita a pessoa jurídica com ou sem fins lucrativos que demonstrar sua impossibilidade de arcar com os encargos processuais. (Súmula 481, CORTE ESPECIAL, julgado em 28/06/2012, DJe 01/08/2012)"
Oficie-se ao Exmo.Sr.Dr. Desembargador Relator do Agravo de Instrumento nº 2219118-56.2014.8.26.0000 Desembargador Natan Zelinschi de Almeida da Egrégia 4ª Câmara de Direito Privado, comunicando sobre a prolação da presente sentença. Dê-se ciência ao Ministério Público. P.R.I.C. (Preparo R$ 20.847,14) Advogados(s): Marcelo Ayres Duarte (OAB 180594/SP), Karina Rodrigues Fidelix da Cruz (OAB 273260/SP), Defensoria Pública do Estado de São Paulo (OAB 999999/DP), Pedro Leonel Pinto de Carvalho (OAB 417/MA), Pedro Leonel Pinto de Carvalho (OAB 417/MA), Pedro Luciano Moura Pinto de Carvalho (OAB 3530/MA)
Pendente de Recurso